Maior podcast de poesia falada do Brasil clama resistência: 'A poesia não é inofensiva'

Jéssica Iancoski idealizou o Toma Aí Um Poema, podcast que já lançou mais de mil poemas de 500 autores diferentes

Por: Bia Viana  -  27/07/21  -  08:21
 Jéssica Iancoski lançou o Toma Aí Um Poema, podcast de poesia declamada que ressignifica o consumo de poemas
Jéssica Iancoski lançou o Toma Aí Um Poema, podcast de poesia declamada que ressignifica o consumo de poemas   Foto: Acervo Pessoal/Divulgação

Mais de mil poemas de mais de 500 autores diferentes, de todos os cantos do mundo, declamados em seu fone de ouvido. Essa é a experiência coletiva de poesia oferecida pelo Toma Aí Um Poema, o maior podcast de declame de poesia no Brasil — talvez, de todos os canais em língua portuguesa. Idealizado pela psicóloga escolar e escritora paranaense Jéssica Iancoski Guimarães Ramos, de 25 anos, o projeto ambicioso começou como passatempo. Hoje, se reescreve como revista digital, antologia e até editora especializada em poesia.


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Jéssica escreve poesia desde os sete anos, mas a experiência de gravar foi um pouco diferente. “Sempre gostei de declamar. Um dia, quis gravar os meus declames, então, me veio um pensamento: ‘Ah, você está fazendo arquivos de áudio, por que não disponibiliza?’, e foi o que fiz. Achei que seria uma atividade solitária, como costuma ser poesia, só que as pessoas começaram a se aproximar. Foram 40 ouvintes, depois 100, 500... Eu gravava, postava, gravava e postava”.


Aos poucos, conseguiu organizar um calendário fixo com publicação de um declame por dia, abrindo categorias no podcast e espaço para outros escritores. O projeto independente acompanha a transformação no perfil de consumo da poesia, que tem migrado para conteúdos on-line, nas redes sociais e formatos audiovisuais. “Nosso posicionamento está muito vinculado ao digital. Estamos tentando educar as pessoas a consumirem poesia, mostrando que ela pode ser descomplicada”.


Nova Leitura


Essa aproximação da poesia falada acaba ressignificando a relação do público com a leitura. “Incentivamos a ouvir, a sentir e a conhecer, não a ficar pensando no que determinado poema significa. Estamos propondo uma nova proximidade, desvinculada da escolarização da literatura. É uma nova chance para o brasileiro gostar de poesia”, destaca.


Jéssica explica como os formatos audiovisuais complementam a experiência literária. “O leitor lê livros e consome mídias alternativas. Esses formatos audiovisuais representam um resgate: são fáceis de serem consumidos e capazes de gerar o interesse passivo pela leitura. Depois de fisgado, esse leitor naturalmente começará a desenvolver o seu próprio repertório e irá atrás de suas próprias leituras, tendo a chance de se tornar um leitor ativo”.


O sucesso dessa experiência é atestado pelos números do podcast. Hoje, o Toma Aí Um Poema conta com 45 mil ouvintes diferentes ao longo do tempo em 77 países, 18 mil seguidores no Spotify e meio milhão de inicializações.



Exercício político


A relação pessoal e profissional com a poesia faz com que Jéssica adotasse a percepção da poesia como manifesto de resistência. “Acho que a pandemia convidou as pessoas a crescerem e se tornarem mais críticas e analíticas. A arte é um instrumento de luta, de desenvolvimento da sensibilidade e do pensamento”.


Nesse raciocínio, a escritora evidencia como o atual momento político impacta sua escrita e a cultura de forma geral. “Governos que são desgovernos sabotam os artistas, pois não é do interesse deles que a população se desenvolva intelectualmente e, também, emocionalmente. Portanto, a minha relação pessoal e profissional com a poesia nesse momento pandêmico de destrato à cultura é de resistência. A poesia não é inofensiva”.


A inspiração política motivou outros projetos, como a primeira edição virtual da revista Toma Aí Um Poema, que já estava na gaveta há algum tempo. “A revista nasceu dessa necessidade de registrar as barbáries, de responder com arte”. Ela não chegou a revelar ao público, mas enviou um e-mail para alguns deputados com o assunto “Abaixo Assinado Poético Contra O Desgoverno” e um exemplar da edição.


Mais de 130 pessoas foram publicadas na revista após 800 envios, curados pelo viés político. Porém, o material restante motivou outras duas publicações. “Como acreditamos no poder da poesia, não conseguimos simplesmente descartar as inscrições separadas das políticas. Publicamos duas antologias poéticas a partir desse material: uma intitulada ‘A Poesia Não É Inofensiva’ e a outra só com participação de mulheres, ‘Na força e no Grito, na Palavra Persistimos’”. Ao todo, foram mais de 300 autores publicados, todos de forma gratuita — mais um passo na democratização da leitura.


Paralelamente, Jéssica cria outra revista digital com Belise Campos, com tradução de poetas brasileiros para sites estrangeiros. O Toma Aí Um Poema também dá os primeiros passos para se tornar editora independente, a partir da EU-i, editora criada por Jéssica. “Resolvi que eu mesma ia publicar os meus livros e fui estudar o processo de abrir uma editora. Fundei a EU-i da maneira mais simples e rápida que encontrei, criando uma MEI. Agora, percebi que temos potencial para ajudar outros escritores que pensam em auto publicação. Estamos nos organizando para isto, estudando mais um pouco sobre os livros e o mercado editorial”.


Relação pessoal com a poesia


A paixão pela escrita sempre despertou a criatividade em Jéssica, em diferentes formatos. “Eu sempre escrevi poesia, mas por muito tempo foi só uma atividade de transbordamento emocional. Quando me reconheci como escritora, foi através da literatura infantil — escrevia literatura infantil para adultos, através de livros ilustrados”.


Formada em letras e psicologia, a psicologia a fez perceber como os adultos carregam “crianças não-desenvolvidas dentro de si”, o que despertou o interesse em aproximar o público adulto de questões da infância. Por enquanto, publicou três deles: Um Lugar Maravilhoso, Por Onde Vai o Barco e Por Onde Vai a Ilha. Outro podcast autoral, Histórias Para Dormir, também virou um livro de mesmo nome. Para saber mais sobre cada livro, acesse este link.


Na poesia, se encantou por vários autores conforme o passar dos anos. “Meus poetas favoritos mudam com a lua. Gosto da intensidade da argentina Alejandra Pizamik. Admiro a disruptividade da estadunidense Gertrude Stein. Me relaciono com a ancestralidade da moçambicana Sónia Sultuane. Gosto da força do feminino brasileiro que tem a Lupe Cotrim, a Maria José de Carvalho e a Gilka Machado. Valorizo as lutas de Carolina Maria de Jesus e Maria Firmina... Se me perguntar daqui um mês, algo nessa lista já terá mudado”, brinca.


A escritora destaca sua confiança na Literatura em geral como instrumento de resistência, que se intensifica com a amplitude do digital. “Precisamos resistir através da palavra, mas temos que lutar com o pé na calçada. A poesia no meio digital é sobre o diálogo e, ainda, sobre desenvolver a coragem através de ações em coletivo. Nos sentimos mais fortes e menos sozinhos quando as nossas lutas estão também nas palavras de outros autores. É preciso usar o digital como estratégia e não como o fim”, conclui.


O podcast Toma Aí Um Poema está disponível nas principais plataformas digitais, como Spotify e Youtube. As obras de Jéssica Iancoski estão a venda em e-book pela Amazon e demais livrarias digitais, bem como seus declames e contação de histórias podem ser vistos no canal da escritora no Youtube.


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