Documentário dá voz a ex-detentas de Santos

Flores do Cárcere faz reflexão sobre o encarceramento feminino

Por: Júnior Batista & Da Redação &  -  07/03/21  -  12:00
Dirigido por Barbara Cunha e Paulo Caldas, o documentário traz a narrativa das próprias egressas
Dirigido por Barbara Cunha e Paulo Caldas, o documentário traz a narrativa das próprias egressas   Foto: Bárbara Cunha/Divulgação

Qual preço deve ser pago por um erro? Numa realidade de encarceramento em massa, os dados passam à frente das histórias por trás dos crimes que levaram os autores para atrás das grades. E foi dando voz a essas histórias que, propositalmente no Dia Internacional da Mulher, o documentário Flores do Cárcere ganha seu lançamento digital.


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O longa é inspirado no livro homônimo da escritora santista Flávia Ribeiro de Castro, que conviveu com as histórias contadas desde 2004. O livro foi lançado em 2011. Dirigido por Barbara Cunha e Paulo Caldas, o trabalho traz a narrativa das próprias egressas.


Ana Pérola, Charlene, Dani, Mel, Rosa e Xakila retornam 12 anos depois à Cadeia Pública Feminina de Santos, hoje abandonada, revisitando a antiga experiência e refletindo sobre o encarceramento feminino.


“O documentário vem mostrar quem são esses seres humanos para além dos crimes que cometeram, como se reergueram e recomeçaram suas vidas”, afirma Bárbara Cunha, que, ao lado do marido e também diretor, Paulo Caldas, trouxe uma perspectiva de humanidade a um tema pesado.


Tema esse que é a vida dessas mulheres. Uma delas, Charlene, de 38 anos, diz ter se chocado ao se ver na telona. Mas fica feliz em saber que sua história pode inspirar e ajudar outras mulheres que possam ter passado pelo o que ela passou.


Ela ficou presa um ano e oito meses por tráfico de drogas. Esse é o crime mais comum quando o assunto é prisão de mulheres. Segundo dados de 2019 do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), 62% das infrações correspondem ao tráfico.


“O mais difícil no processo todo da prisão foi ver meu irmão sendo enterrado”, afirma ela. O irmão, também preso na época pelo mesmo crime, teve uma convulsão na cadeia e bateu a cabeça. Os dois eram muito ligados. 


Quando saiu da prisão, Charlene teve de enfrentar um mercado de trabalho que tem preconceito com ex-presidiários. 


Mas, naquele momento, a valorização de situações simples para qualquer pessoa no dia a dia era o que a deixava mais aliviada. “Nunca fiquei tão feliz ao ver um banheiro. Lá dentro, nós só tínhamos o ‘boi’, que acredito ter esse nome pela posição em que ficamos. É um buraco, no chão, para fazer as necessidades básicas. Não tinha vaso”, relembra.


Por falar em memória, seu momento mais difícil foi certamente retornar às instalações da Cadeia Pública.


“Quando saí de lá, eu prometi para mim mesma que jamais entraria de novo”, afirma Charlene.


As gravações dentro do espaço foram motivo de discussão entre a equipe do documentário, principalmente entre os diretores, revela Bárbara Cunha. 


“A maioria delas achava uma situação muito difícil, mas elas concordaram que voltar era como um rito de passagem, para encerrar de uma vez um ciclo. Nós tivemos um diálogo honesto, pela construção do documentário, mas deixamos elas decidirem”, conta a diretora. 


E, após aceitarem, também dentro do documentário surgiu uma narrativa além das histórias delas. Algo incomum em histórias contadas em formato de documentário. A presença de uma atriz foi avaliada e aceita, inclusive pela autora do livro. 


“Pensamos em uma forma de representar aquelas mulheres que, durante a pesquisa, não conseguimos encontrar ou que não quiseram participar. Precisávamos dar voz a elas e também criar um questionamento ao telespectador: até que ponto a realidade é real? A realidade existe na interpretação de cada um”, acredita Bárbara.


Rito de passagem


“A maioria delas achava uma situação muito difícil, mas elas concordaram que voltar era como um rito de passagem, para encerrar de uma vez um ciclo. Tivemos um diálogo honesto, pela construção do documentário, mas deixamos elas decidirem” - Bárbara Cunha, Diretora.


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