O prêmio de Filme Estrangeiro, agora chamado de Filme Internacional, sempre foi tratado pelo Oscar quase como um troféu de consolação para as produções que não eram faladas em inglês e que raríssimas vezes eram lembradas em outras categorias. Esta barreira começou a ser quebrada nos últimos anos a partir da grande diversidade promovida pela Academia, que ampliou o número de votantes e também a visão de mundo de quem escolhe.
Foi assim que o coreano Parasita venceu, em 2020, o prêmio de Filme Estrangeiro e também o de Melhor Filme do ano, a primeira vez em que um filme não falado em inglês levou o principal Oscar da noite em mais de 90 anos de história do prêmio. Esse fato raro pode acontecer novamente este ano: o japonês Drive My Car concorre a Melhor Filme, Filme Internacional, Diretor e Roteiro Adaptado. O filme está em cartaz nos cinemas e chega ao serviço de streaming Mubi em abril.
São quase 3 horas de uma história que tem seu próprio ritmo e que não se torna cansativa em momento algum. Cada momento do filme reflete um aspecto muito forte da personalidade do povo japonês: a contemplação, o tempo para refletir. E é exatamente esta a viagem que o espectador faz, acompanhando a história de um ator de teatro que enfrenta um drama pessoal muito pesado - o desaparecimento da esposa - e, anos depois, ao participar de um festival teatral, volta a ser confrontado e a refletir sobre a perda.
É uma jornada de autoconhecimento e de superação do luto, contada por meio do contato do homem com a motorista que ele contrata para levá-lo ao festival, dirigindo seu amado carro vermelho que é quase um personagem à parte na história. Ao longo da história, os dois (ou os três, se contarmos o carro…) passarão por momentos intensos que vão lhes marcar a vida.
O filme é inspirado em um conto, curtinho, de Haruki Murakami, um dos mais celebrados escritores japoneses, e seu nome busca referência em uma canção dos Beatles, tal qual o mais conhecido dos livros do autor, Norwegian Wood. Murakami, aliás, antes de se tornar escritor era dono de um bar de jazz em Tóquio.
A direção é de Ryusuke Hamaguchi, um dos mais talentosos diretores asiáticos das últimas décadas e que vem ganhando tudo o que pode nas premiações nos últimos anos (ganhou, inclusive, o Urso de Prata em Berlim, este ano, por outro trabalho, A Roda da Fortuna e da Fantasia).
Drive My Car não é meu favorito ao Oscar, pois minha torcida vai para o filme do Butão, A Felicidade das Pequenas Coisas, mas deve ser o grande vencedor na categoria de Filme Estrangeiro, até pelas outras indicações que recebeu. E é muito saudável que mais e mais filmes fora do circuito norte-americano recebam a atenção da Academia de Hollywood e, por consequência, do mundo.