Cientistas criam tecnologia para detectar tumores inspirada em borboletas

Esses insetos têm a capacidade de ver a luz ultravioleta, o que inspirou o projeto, que tem obtido 99% de acerto

Por: Marcus Neves Fernandes  -  19/11/23  -  21:11
Inspirada nos olhos das borboletas, cientistas criaram tecnologia capaz de diferenciar entre células sadias e tumores
Inspirada nos olhos das borboletas, cientistas criaram tecnologia capaz de diferenciar entre células sadias e tumores   Foto: Adobe Stock

Os gregos contam que o jovem Ícaro morreu ao tentar fugir da ilha de Creta quando o sol derreteu suas asas feitas com penas de ganso e mel. O mito ilustra bem quanto a natureza é uma fonte antiga de inspiração, que hoje ganhou contornos de ficção científica.


Com a tecnologia que temos atualmente, estamos decifrando segredos que representam bilhões em economia, permitem gerar menos danos ambientais e ainda abrem as portas para tratamentos médicos impensáveis.


É o caso, por exemplo, de um estudo que dedicou a analisar os olhos das borboletas. Enquanto nós, seres humanos, enxergamos três cores (vermelho, azul e verde), com as quais nossos cérebros produzem os demais matizes, as borboletas nos deixam no chinelo.


Essas criaturas têm a capacidade de ver a luz ultravioleta (UV) e isso permitiu que cientistas criassem um sistema de imagem revolucionário, capaz de diferenciar células cancerígenas de células normais, com 99% de acerto.


Esse é apenas um dos exemplos mais recentes em uma área em franca evolução, chamada biomimética (bio = vida; mimética = imitação). A cada dia, novas e surpreendentes fronteiras são abertas.


A partir da análise das asas dos beija-flores, por exemplo, foi possível desenvolver sistemas de resfriamento para computadores.


Já a intrincada estrutura da tromba dos elefantes permitiu a criações de robôs articulados, capazes de acessar áreas remotas e muitas vezes hostis aos humanos, como em acidentes nucleares. Outro exemplo é o martim-pescador. O bico aerodinâmico da ave inspirou a fuselagem de trens balas e, mais recentemente, o formato de novas pás de turbinas eólicas, permitindo uma melhor geração de eletricidade limpa.


Os tubarões e as lulas, por sua vez, estão no foco da indústria náutica. Hoje, o transporte marítimo gasta US$ 30 bilhões ao ano em custos adicionais de combustível.


Um dos principais problemas é a bioincrustação, causada por cracas e outras criaturas que se fixam ao casco dos navios, reduzem a velocidade e aumentam o consumo de diesel.


Repare: enquanto é comum ver cracas na pele de animais marinhos como as baleias, isso não ocorre com lulas e tubarões. O segredo está na pele desses animais, em micro e nano estruturas que tanto os tornam velozes como livres das cracas. Cascos de embarcações com essas características reduzem o consumo de combustível e a poluição em toda a cadeia de extração e refino.


Assim, da medicina à engenharia náutica, automotiva ou espacial, passando pela eletrônica, produção de alimentos e diversas outras áreas de pesquisa humana, a natureza ainda é, como Ícaro, a nossa melhor e mais importante fonte de avanços e bem-estar.


Como tudo começou

O produto biomimético surge da análise 'aleatória' da natureza, quando algo peculiar chama a atenção de um cientista, ou de uma busca específica, algumas vezes com objetivos pré-determinados. O surgimento do termo se deve a esse primeiro cenário, na hoje lendária origem do velcro. É quando entra em cena o engenheiro suíço Georges de Mestral.


Em 1941, em um passeio pela mata, ele ficou intrigado com a capacidade de uma planta, popularmente conhecida como carrapicho, de grudar às barras de sua calça e aos pelos de seu cachorro. Após anos de estudo, nasceu o que conhecemos hoje como velcro, junção das palavras francesas velour (veludo) e crochet (gancho).


Tecnologia para poucos // Ao longo da história humana, inspirar-se na natureza dependeu, basicamente, da observação dos fenômenos que nos cercam. Hoje, porém, essa observação exige ir muito além do que nossos olhos enxergam.


Entramos no mundo de ciências como a nanotecnologia, que é a capacidade de manipular a matéria na escala de coisas do tamanho de um bilionésimo do metro.


Isso expandiu exponencialmente o campo de pesquisa, mas, paradoxalmente, reduziu em muito o número de pessoas e países capazes de adentrar nesse novo universo.


O resultado é que menos de dez países monopolizam esses estudos de ponta, desenvolvem as patentes e colocam novos produtos no mercado.


Essas novas tecnologias são chamadas de disruptivas, ou seja, são capazes de interrompe o seguimento normal de um processo, gerando alternativas que tanto são revolucionárias como de difícil alcance para a maioria dos países.


Um avanço na medicina, por exemplo, só estará disponível àqueles capazes de pagar, sem compreender como funcionam ou como se dá a própria manutenção desses novos sistemas. Daí a importância no investimento em ciência.


Logo A Tribuna
Newsletter