Arquitetos e professores universitários lançam livro sobre o criador do Plano Diretor de Santos

Santista Oswaldo Corrêa Gonçalves também projetou edifícios na região

Por: Stevens Standke  -  27/02/22  -  15:01
Atualizado em 10/03/22 - 23:06
Gino Caldatto Barbosa e Ruy Eduardo Debs Franco
Gino Caldatto Barbosa e Ruy Eduardo Debs Franco   Foto: Matheus Tagé

O que vem à cabeça quando você pensa em arquitetura? A maioria das pessoas logo lembra de design de interiores. Mas as atividades do profissional dessa área vão além disso. Afinal, o arquiteto se mostra essencial para o planejamento urbano. Uma referência local nesse sentido é o santista Oswaldo Corrêa Gonçalves (1917-2005), que não só projetou edifícios na região como elaborou o Plano Diretor de Santos e o desenho da Riviera de São Lourenço, em Bertioga. Isso sem falar do seu papel na regulamentação da profissão e na montagem de faculdades de Arquitetura. Seu legado está registrado no livro Oswaldo Corrêa Gonçalves: Arquiteto Cidadão, que os professores universitários e arquitetos Gino Caldatto Barbosa e Ruy Eduardo Debs Franco lançam em 30 de março, às 19h, no Teatro Municipal de Santos. A seguir, Gino e Ruy falam da trajetória de Oswaldo Corrêa Gonçalves e mostram a importância da preservação do Centro Histórico e da revitalização do Porto para o desenvolvimento da Cidade.


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O que os levou a fazer o livro Oswaldo Corrêa Gonçalves: Arquiteto Cidadão?
Gino Caldatto Barbosa:
Tudo começou em 2002, quando o Oswaldo ainda estava vivo. Ele fechou seu escritório e doou o acervo para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Católica de Santos (UniSantos). Nós organizamos um grupo de estudo, que classificou o material e criou produtos a partir dele. Primeiro, fizemos uma exposição no Senac, para comemorar os 60 anos de profissão do Oswaldo. Ela percorreu diversos estados. O outro produto seria um livro. Com a morte do Oswaldo em 2005, a obra ficou parada. Retomei o projeto há mais ou menos dez anos, quando o Ruy se associou a ele.
Ruy Eduardo Debs Franco: O Oswaldo teve um trabalho de bastidor muito importante para a profissão. Na década de 50, foi um dos que lutou pela regulamentação da carreira. Também foi um dos responsáveis pela criação das bienais de arquitetura e do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB).
Gino: Sem falar que o Oswaldo contribuiu para o surgimento de faculdades de Arquitetura. Primeiro, na Universidade de São Paulo (USP) e, dez anos depois, na UniSantos.


Existem projetos dele na região?
Gino:
Há obras pulverizadas pelo País, mas a maioria está no Estado de São Paulo. Na Baixada, encontramos o edifício Sobre as Ondas, em Guarujá, que fez em conjunto com o Jayme Fonseca Rodrigues – protegido pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). Em Santos, temos o Edifício Taiuva, na Avenida Conselheiro Nébias.
Ruy: Na cidade de Santos, também há os edifícios Brasília, no Boqueirão, e Clipper Sea, no José Menino. Fora o Teatro Municipal, o Clube Atlético Santista, o prédio do Senac, na Conselheiro, e o pronto-socorro ao lado da Santa Casa. Em Guarujá, a antiga prefeitura leva a assinatura do Oswaldo.


Hoje, grande parte das pessoas, quando pensa em arquitetura, logo imagina o design de interiores. Mas profissionais como o Oswaldo e vocês mostram a importância da arquitetura para o urbanismo e o desenvolvimento das cidades.
Ruy:
A cidade é um ser vivo, que, muitas vezes, se multiplica fora do alcance do órgão gestor. O arquiteto, portanto, tem papel essencial no planejamento urbano, que ajuda a guiar o crescimento da cidade. Para você ter ideia, em 1968, o Oswaldo elaborou o Plano Diretor de Santos.
Gino: O Brasil é um dos poucos países em que o arquiteto é tratado mais como um artigo de luxo, como uma pessoa que trabalha mais nos interiores das residências e imóveis. Mas a gente também pode atuar, por exemplo, no planejamento do trânsito, do sistema viário. Quando surgiu essa função de ajudar a pensar a cidade? Na Revolução Industrial, pois ela gerou vários problemas urbanos. Na década de 1930, começou a se discutir o conceito de cidade moderna e, com isso, o planejamento urbano ganhou ainda mais força. Brasília traduz bem essa visão de cidade organizada e funcional. Vale dizer que aqui na região, além de se envolver com o Plano Diretor de Santos, o Oswaldo projetou a Riviera de São Lourenço.


Qual cidade é referência hoje em termos de planejamento urbano?
Ruy:
Curitiba (no Paraná). Como toda norma, o plano diretor de cada município precisa ser revisto com periodicidade; no caso de Curitiba, seu planejamento, originalmente da década de 1960, é atualizado com frequência. Muita gente não imagina, mas Curitiba é o primeiro lugar do País onde se costuma testar um produto antes de lançá-lo, pois é uma cidade modelo.
Gino: Falando especificamente de Santos, o Município se beneficia até hoje do planejamento feito pelo Saturnino de Brito, que vai além dos canais e passa pela drenagem do solo, pelo desenho urbano que favorece o fluxo e racionaliza as distâncias, os acessos... Algo que o Saturnino de Brito pensou e que nunca foi colocado em prática é a criação de uma avenida-parque, na Afonso Pena. Uma espécie de grande bulevar, com áreas verdes, que traria o jardim da praia para o eixo central da ilha, se estendendo até a Ponta da Praia, com uma zona de lazer. Esse projeto poderia ser retomado.


Ao longo do tempo, houve tentativas de restauração do Centro Histórico de Santos. Na opinião de vocês, por que isso nunca vingou de fato?
Ruy:
Por uma falta de consciência histórica. Para muita gente, parece que o que é velho não serve mais.
Gino: E essa consciência deve se fazer presente tanto nos agentes públicos quanto na coletividade. A Cidade está perdendo uma baita oportunidade, inclusive em termos financeiros. Afinal, a preservação e a restauração dos conjuntos arquitetônicos antigos pode valorizar bastante os novos empreendimentos imobiliários. Ou seja: o patrimônio histórico é aliado do progresso, ainda mais nos dias de hoje em que se fala tanto de economia e crescimento sustentáveis. Preservar acaba sendo uma forma de você organizar o crescimento desorganizado da cidade. E a legislação de Santos está bem avançada nesse sentido, oferecendo uma série de vantagens. Em São Paulo, você tem alguns empreendimentos integrados com imóveis preservados. Neles, o edifício histórico é restaurado e associado a um empreendimento novo. Inclusive, em Santos, já temos no Campo Grande um exemplo de condomínio integrado a um prédio tombado.


O que a revitalização do Porto inclui?
Gino:
Ela tem a ver com restaurar a área portuária que se encontra desativada. Passo importante será mudar a localização do terminal de passageiros, levando-o para mais perto do Centro. Todo mundo vai se beneficiar com isso. Ficará bem mais fácil para os passageiros dos cruzeiros transitarem pelo Centro, pela Cidade, e a própria iniciativa privada tende a encabeçar a revitalização do Centro. Mas, para isso acontecer, será necessário ter no Centro habitação, uma rede hoteleira, trazer mais empresas para a área, montar um cinema, ampliar as atrações culturais, gastronômicas e de lazer. Hoje, após as 18h, a maior parte do Centro para, porque ele não é dinâmico como o Gonzaga, que reúne diversos segmentos ao mesmo tempo: habitação, comércio, serviços, lazer, turismo...
Ruy: Um exemplo bem-sucedido é o Poupatempo, que foi instalado em armazéns abandonados que passaram por uma restauração. Quantos outros prédios de Santos não poderiam seguir o mesmo caminho? Devemos lembrar o seguinte: por meio dos edifícios antigos, você também conhece a história de uma cidade.


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