Viva melhor: especialista da dicas de como lidar melhor com estresse

Regina Célia Spadari, pesquisadora e professora da Unifesp, estuda sobre estresse -um dos grandes maus do século

Por: AlcioneHerzog  -  26/12/21  -  15:26
“O panorama de estresse ganhou níveis nunca imaginados com a crise sanitária”, acredita a pesquisadora.
“O panorama de estresse ganhou níveis nunca imaginados com a crise sanitária”, acredita a pesquisadora.   Foto: Arquivo Pessoal

Tensão muscular, problemas estomacais, irritabilidade excessiva, ansiedade, alteração do sono, cansaço, fadiga, baixo rendimento no trabalho, sentimento de desesperança. Quem não conviveu com um, dois, três ou até mais desses sintomas neste ano? Muito provavelmente, eles são sinais expressos no corpo e nas emoções de que o estresse ronda a sua vida e que algo precisa mudar para que ele deixe de ser um fator indesejado no dia a dia. Só no Brasil, 70% da população sofrem com esse mal, sendo que 30% chegam a ter níveis elevados de estresse. Apesar da frequência, nem sempre os sintomas são facilmente percebidos. Regina Célia Spadari, pesquisadora na área da Biologia do Estresse e professora titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – Campus Baixada Santista, nos conta por que estamos cada vez mais estressados e dá pistas de como podemos enfrentar essa condição tão presente na vida moderna.


Dualidade

Qual é a melhor definição de estresse?

Originalmente, o termo estresse define a reação do nosso organismo toda vez que ele se sente ameaçado ou desafiado. E pode ser uma ameaça real ou não. Essa sensação, inclusive, pode se dar em termos físicos ou emocionais. Qualquer coisa que coloque em risco a integridade física ou psicológica.


Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o estresse atinge 90% da população mundial e é considerado o mal do século. Podemos dizer que vivemos uma epidemia desse problema? xxx Na verdade, o estresse não é uma doença. É uma reação que o organismo tem para se proteger. Ela mobiliza hormônios, sistema nervoso, substratos energéticos para reação protetora do nosso corpo, para sobrevivermos. Então, inicialmente, o estresse é algo benéfico e necessário. Ele se torna um perigo quando é repetido ou quando o indivíduo submetido a essa condição não vê uma saída. Há prejuízos importantes quando a pessoa se sente incapaz de dar conta da ameaça ou do desafio. É importante dizer que essa reação não é nova. Ela existe em todos os organismos, desde os mais simples até o ser humano. E vamos combinar que uma vida sem estresse é muito sem graça. O estresse também nos motiva. Tudo o que é muito fácil a gente não dá muita importância. O desafio nos impulsiona a lutar por algo. Faz parte da vida e, inicialmente, é positivo. Dito isso, vamos abordar quando o estresse se torna deletério. Como disse, quando se torna crônico, repetido e também quando atinge níveis intensos. É quando começa a desencadear doenças para as quais temos uma determinada predisposição. O que está acontecendo agora é que nosso estilo de vida está nos proporcionando muitas situações de estresse e, por isso, a gente entra nesse ambiente intenso de tensões com que não conseguimos lidar. Ou seja, ele não é uma doença, mas desencadeia doenças.


Essas enfermidades podem ter a ver com o corpo e com a mente?

Sim. Praticamente todas as doenças já foram relacionadas ao estresse. É um fator de risco muito importante para doenças cardiovasculares, que são a primeira causa de morte no mundo. Também está muito relacionado a depressão, síndrome do pânico, transtorno generalizado de ansiedade (TAG) e muitos outros transtornos mentais.


Por que hoje estamos muito mais submetidos às doenças decorrentes do estresse?

Uma farta literatura científica aponta que a gente tem atualmente um estilo de vida com altos níveis de cobranças externas e internas. As próprias pessoas se cobram muito e, quando isso ocorre, temos bem mais chances de ter frustrações. Essa incapacidade de lidar com as situações que se apresentam potencializa os males gerados pelo estresse.


Qual é o peso do trabalho e do sistema econômico em que vivemos nessa realidade estressante?

É um peso muito grande. Existe até um termo designado para o estresse do trabalho que é a Síndrome de Burnout. Com a novidade do home office tomando conta de diversas áreas, as pessoas passaram a estar disponíveis para atividades laborais praticamente sete dias por semana, 24 horas por dia. É claro que o nível de cobrança aumenta tremendamente. As pessoas já se desdobravam entre tarefas profissionais e atividades domésticas. Isso se intensificou e as coisas agora acontecem ao mesmo tempo.


Covid

A pandemia também teve papel importante nesse cenário?

Com certeza. Esse panorama de estresse ganhou níveis nunca imaginados com a crise sanitária e os períodos de isolamento social. Já tivemos na história eventos que propiciaram níveis de estresse coletivo em escala global também, como as guerras e outras grandes pandemias. Além da intensificação do trabalho, estamos passando por mais um momento agudo mundial que colabora para um maior número de estressados.


Como podemos lidar com esses eventos fora do nosso controle?

A verdade é que não temos respostas imediatas e simplistas para essa pergunta. Mas temos estudos que podem nos ajudar a apontar caminhos. Por exemplo, estamos iniciando um projeto agora na Unifesp com uma aluna de mestrado que está avaliando os níveis de estresse em mulheres que se tornaram chefes de família em decorrência da perda de seus companheiros para a covid-19. Essa doença ceifou muitas vidas e, certamente, entender o que acontece com quem ficou, mapear as consequências que ainda não conseguimos prever pode ajudar a apontar formas de lidar com esses efeitos.


Trabalho

O que mais vocês têm estudado em relação ao tema?

Temos um outro projeto, que iniciou agora, abordando o estresse no trabalho. Existe uma outra linha de pesquisa com modelos experimentais de estresse em que a mestranda está investigando os efeitos sobre o coração. A ideia é entender como um estresse ambiental induz alterações nas células cardíacas que possam comprometer as funções desse órgão, levando ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares.


Em relação às faixas etárias, como o estresse impacta? Crianças e adolescentes também sofrem?

Com certeza essa condição pode se desenvolver em qualquer faixa etária. Existe um livro chamado Por Que as Zebras Não Têm Úlcera?, do Robert Sapolsky, que cita o caso de crianças que, durante a guerra, ficaram órfãs e foram colocadas em abrigos e orfanatos e ficaram lá nos berços dias a fio sem atenção, cuidados e carinho. Elas desenvolveram um nanismo relacionado ao estresse extremo. Houve uma deficiência nos hormônios do crescimento. Isso pode ser recuperado se a criança for tratada, receber carinho e até o próprio hormônio. Mas mostra que o estresse até numa faixa etária bem baixa, tenra, pode sim ser desencadeado.


Combate

Quais seriam os fatores protetores para evitar ou minimizar os impactos do estresse?

Não existe uma receita. Cada um tem seu jeito de lidar com o estresse. Algumas pessoas leem. Outras fazem exercícios. Quem odeia academia certamente ficará mais estressado se por obrigação tiver de fazer todos os dias exercícios. Então, a recomendação é: encontre a sua maneira de aliviar a tensão e a pratique. Gosta de dançar? Dance. Prefere ir à praia? Tente estabelecer uma rotina que propicie uma atividade à beira-mar.


Mudar hábitos é importante, mas só isso basta? Como identificar o momento de promover mudanças mais drásticas no estilo de vida?

É claro que não é tão simples. O estresse é uma reação extremamente complexa. Envolve um monte de hormônios, neurotransmissores, mexe com o corpo todo. É comum quando vamos ao médico e fazemos nossas queixas ouvirmos: “Não é nada grave, é só estresse”. Adaptar o estilo de vida é muito importante. Mas, em primeiro lugar, é preciso se perguntar se é algo possível, porque há algumas situações desencadeadoras do estresse das quais não se pode fugir. Além disso, mudar hábitos é uma das coisas mais difíceis que existe. Considero importante ficar atento aos sinais do corpo e da mente até para ajudar a perceber quando é preciso procurar ajuda profissional. O fato é que o nível de cobrança que a gente se impõe é muito cruel. Pensamos que precisamos sempre ter mais e mais, cada vez mais. Será que a gente precisa de tanta coisa para ser feliz? Com a pandemia, muitas dessas coisas estão sendo questionadas e fomos forçados de certa forma a fazer uma revisão das nossas prioridades e necessidades.


Iniciativas

Como é o trabalho da Unifesp nessa área de pesquisa?

Eu tenho um laboratório de Biologia do Estresse, o BEST. Sou orientadora da pós-graduação, então temos alunos do mestrado, doutorado e pós-doutorado, além de algumas colaborações e contatos no Brasil e no exterior. Temos na Unifesp uma vocação grande para projetos de extensão, que estão abertos à comunidade. Um exemplo disso na minha área é um projeto de um aluno do mestrado. Estudamos os efeitos do estresse em pessoas com doença de Parkinson e também como a dança, em especial o tango, pode beneficiar essas pessoas, amenizando um pouco os sintomas. Participam desse projeto alguns voluntários que são encaminhados por neurologistas. Essas pessoas praticam o tango na medida do possível e o Adriano Silva, que é professor de tango, avalia o efeito dessa prática sobre parâmetros relacionados ao estresse. Houve uma pausa por causa da pandemia, mas provavelmente as atividades retornam em 2022. Já temos relatos e sinais de um benefício muito grande para os participantes e é muito gratificante ver, de forma palpável, o resultado amenizando os sintomas da doença. Essas são iniciativas que não são puramente acadêmicas. Existe a parte social do serviço à comunidade, impactando diretamente na qualidade de vida.


De uma forma geral, como conscientizar as pessoas para a importância de prestar mais atenção nesse assunto?

Nós podemos começar não naturalizando essa questão. A gente não deve menosprezar o estresse. Ele pode causar muitas doenças. É, de fato, um fator de risco já reconhecido para muitas enfermidades. Ele precisa ser tratado e encarado de frente, mesmo não sendo algo simples. Lembre do livro Por Que as Zebras Não Têm Úlcera?, do Robert Sapolsky. Na obra, ele diz que a zebra não fica pensando: “E se o leão tivesse me pegado?”; “E se ele voltar amanhã?”; “E se eu não achar comida nos próximos dias?” A zebra tem o estresse da forma benéfica. Ela foge do leão e, depois, acabou a história. Ela não fica pensando que terá o mesmo problema no futuro. Já o ser humano tem a habilidade de antecipar situações e de se preocupar. Nós precisamos saber usar essa característica de uma forma benéfica, a nosso favor. Mas não é nada fácil, repito.


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