Psicanalista explica como evitar rigidez do modelo convencional de educação parental

Parentalidade positiva está longe de ser permissiva

Por: Willian Guerra  -  01/08/21  -  13:07
 Muita gente herdou uma forma brusca de se relacionar com crianças
Muita gente herdou uma forma brusca de se relacionar com crianças   Foto: Kelli McClintok/Unsplash

“É essencial que consigamos olhar para a nossa história e entender como ela está reverberando em nós. Quando os nossos pais gritavam e batiam, como a gente se sentia? Que reflexos isso tem na nossa história?” A fala é da psicanalista, escritora e educadora parental Elisama Santos.


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Muita gente herdou uma forma brusca de se relacionar com crianças e adolescentes, pois aprendeu, durante a infância, que tapas, gritos, castigos e ameaças eram forma eficaz de educar. Mas, hoje, está mais do que comprovado que a normalização da violência física e psicológica, enraizada na nossa cultura, não é adequada.


A parentalidade positiva é uma forma de educar que foge da rigidez tradicional, mas também não acredita que a permissividade seja o melhor caminho. De acordo com o best-seller internacional Disciplina Positiva para Crianças de 0 a 3 anos, ela “foi criada para ajudar a criança a aprender com os seus erros em uma atmosfera amorosa e encorajadora”.


A educação positiva pressupõe que a criança deve ser ouvida e pode participar da tomada de algumas decisões, dentro do que é adequado para a sua idade e de acordo com o contexto familiar e os limites considerados respeitosos.


A disciplina positiva e a educação não violenta e neurocompatível podem parecer bichos de sete cabeças, mas são apenas o básico quando se fala de relacionamento com as pessoas: a forma de se comunicar, o respeito pelo outro e a valorização dos sentimentos são peças-chaves também na relação entre pais e filhos.


Falta de acesso


Psicóloga especializada em mães e crianças, Bruna Szegedi explica que essa forma de educar não foi adotada amplamente pelas gerações passadas devido à falta de acesso à informação. “Esse tema surgiu com força há, aproximadamente, dez anos. Por isso, nós não temos a desculpa de alegar que não sabemos, pois a informação está aí e é preciso quebrar essa corrente de violência”.


“Enquanto negarmos a infância que tivemos e não conseguirmos lidar com nossas emoções, fica muito difícil refazer o caminho. Respeito a minha referência de paternidade, mas há coisas da minha criação que não quero repetir. A partir do momento em que entende isso, você vira uma chave”, observa Elisama Santos, autora dos livros Educação Não Violenta, Por Que Gritamos? e Conversas Corajosas.


Para fugir do modelo de educação adotado no passado, é preciso um esforço consciente e constante por parte dos pais. Assim como Elisama, Bruna Szegedi ressalta que devemos lembrar que os nossos pais fizeram o melhor que puderam, mas que é preciso se desconstruir. “Fomos criados sob a perspectiva do medo. Olhavam feio para a gente e aquilo já era uma ameaça. Isso não funciona mais”.


Afinal, se queremos uma sociedade questionadora e equilibrada emocionalmente, precisamos saber lidar com esses desafios dentro da própria casa. O silenciamento promovido pelo “eu mando, você obedece” contribuiu para que a atual geração de pais lidere os índices de doenças mentais, como ansiedade e depressão. “Visivelmente não deu certo (essa educação). Precisamos tentar outra coisa”, completa Bruna.


“É interessante como a atual geração de pais ouviu tanto sobre limites quando era criança e tem tanta dificuldade para colocar limites dentro das relações. A maioria de nós tem dificuldade em dizer ‘não’, em mostrar um desagrado sem surtar. Isso tudo porque o limite da infância não era nosso, mas do adulto sobre nós”, analisa Elisama Santos.


Isso não significa que a criança pode fazer tudo, já que limites são saudáveis em todas as relações humanas. Então, qual é a diferença entre a educação tradicional e a não violenta? Elisama exemplifica: “Não digo ‘cala a boca, você não tem motivo pra chorar’. Quando frustro a criança dizendo um ‘não’, ela tem o direito de chorar e ficar triste. Com isso, eu respeito a humanidade do meu filho”.


Impacto da pandemia


Lidar com emoções nunca foi fácil, mas a saúde mental da população ficou ainda mais comprometida com a pandemia. Preocupada com isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou para o impacto prolongado do momento atual no bem-estar das pessoas.


Com o pavio ainda mais curto, os pais podem acabar tendo atitudes não muito recomendadas com os filhos. “A pandemia trouxe questões emocionais muito fortes aos adultos. Todos estamos vivendo diversos lutos: de pessoas que amamos, viagens ou projetos que foram cancelados. Isso gera um estresse e os pais precisam reconhecer que não são super-heróis. Quando entendo que também sinto raiva, começo a lidar melhor com esse sentimento e a cuidar melhor de mim. Esse passo é fundamental para respeitar as emoções dos nossos filhos”, explica Elisama.


Ao observar como o adulto lida com as próprias emoções, a criança constrói a sua segurança emocional e aprende a lidar com os próprios sentimentos. Perder o controle pode ser fácil, mas com o autoconhecimento é possível intervir para impedir que a raiva tome conta da situação.


Algumas estratégias podem ajudar a lidar com momentos desafiadores. A principal delas é transformar a fonte do estresse em uma brincadeira, buscando a cooperação da criança. “Quando eu peço algo brincando, imitando a voz do personagem preferido ou inventando uma brincadeira, as chances de ouvir um ‘ah, não quero’ são muito menores”, diz Elisama Santos.


Mas e quando “o bicho pega”? Se afastar da criança pode auxiliar a retomar a calma e tentar tudo outra vez. “Dá trabalho? Muito! Mas não existe uma alternativa fácil, gostosa e simples, pois criar filhos cansa. É a minha escolha inteligente: como vou utilizar essa energia? É difícil? É! Gritar, bater e surtar demandam a mesma energia, mas precisamos fazer uma escolha”, ressalta.


Tome cuidado com o castigo


Bruna Szegedi explica que a “infância é um chão em que pisamos a vida inteira” e que precisamos estar “de bem” com ela, pois reflete em toda a vida adulta. Castigar a criança também não é uma boa alternativa, mesmo que a punição seja algo tão comum.


Para a psicóloga, o castigo não tem qualquer efetividade a longo prazo. “Se você tirar sempre um videogame do filho, vai ter uma hora em que ele não vai se importar se vai ficar sem o aparelho. As crianças não têm o controle inibitório (de seus impulsos), que só é completamente desenvolvido depois dos 20 anos de idade”.


Bruna acrescenta que o castigo reforça o sentimento de vingança e faz com que a pessoa crie planos mais complexos, ou seja, que faça diferente da próxima vez. “O importante é que ninguém veja o que estou fazendo para não ser punido, independentemente de estar fazendo a coisa certa ou não”.


Julgamento alheio


Mudar a chave e colocar a educação não violenta em prática ainda exige paciência com os palpiteiros de plantão. Pais da pequena Lavínia, de 4 anos, Mileide Muniz, de 33, e Alysson Guimarães, de 31, tiveram que enfrentar julgamentos alheios. “Grande parte dos familiares acha que é preciso colocar um limite, e não gosta quando a gente pergunta pra nossa filha o que ela quer. Eles dizem que isso não pode existir”, conta Mileide.


Ela, enfermeira. O marido, policial militar. O casal vive uma rotina estressante no dia a dia, o que poderia impactar na forma de educar a pequena Lavínia. Mas eles procuram não deixar que as próprias emoções falem mais alto e tentam ao máximo respeitar o processo de desenvolvimento infantil.


Alysson Guimarães conta que há dias em que o expediente de um foi bem mais estressante do que o do outro. “Nessa hora, é fundamental a parceria. Quem está mais calmo fica com a nossa filha, enquanto o outro tenta refrescar a cabeça”.


“Ela (Lavínia) fala que quer comer macarrão. Só que nós já tínhamos feito outra coisa para a janta, que ela não queria comer. Na minha criação, não existia isso. Comia o que tivesse na mesa e pronto. Só que é preciso entender que essa criança não é um objeto. Ela tem vontades que devem ser respeitadas. Claro que vamos explicar que não pode comer macarrão todos os dias, mas precisamos respeitar a vontade dela”, opina Alysson.


Estudo em dia


Se o desafio de respeitar a criança é grande na infância, na primeiríssima infância (de 0 a 2 anos) ele é ainda maior. A introdução alimentar, iniciada aos 6 meses de vida, conforme sugere a Organização Mundial da Saúde, é capaz de testar todos os nervos dos adultos. Ciente de toda a dificuldade para a criação de um filho, Mileide afirma que estudar é a melhor solução. “Pesquiso sobre o assunto desde a gravidez. Sejam livros ou vídeos, isso me ajudou muito a entender sobre disciplina positiva. Além disso, vale procurar profissionais de psicologia ou educares parentais para que expliquem os benefícios dessas práticas. Sem esse suporte, é fácil desistir e reproduzir a mesma educação violenta que recebemos”.


Questionada se achava que poderia fazer sempre o que deseja, a pequena Lavínia deu um leve sorriso e balançou a cabeça sinalizando que não.


Além da vontade de querer fazer diferente, profissionais e a família são unânimes em dizer que estudar é o melhor caminho. Por isso, além dos livros de Elisama Santos já citados, procure outras leituras e conteúdos confiáveis.


E mais: Elisama promove em seu perfil no Instagram (@elisamasantosc) publicações, lives e eventos para conscientizar os pais da importância da educação não violenta. A mesma estratégia é utilizada por Bruna Szegedi (@umamaepsi) na rede social.


Outras opções de estudo indicadas pelas entrevistadas são os livros Criar Filhos Compassivamente, de Marshall Rosenberg, e Meu Filho Me Enlouquece! e Já Tentei de Tudo!, de Isabele Filliozat.


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