'O sucesso é uma consequência, não uma finalidade. Estou mais maduro', afirma Rafael Cortez

Ele aproveitou a quarentena para criar projetos. A seguir, fala da paixão por música, teatro, jornalismo e da fase loser

Por: Stevens Standke  -  15/11/20  -  19:29
  Foto: Divulgação

O CQC tornou Rafael Cortez não só conhecido do grande público como abriu as portas do humor para ele, que, até então, nunca tinha feito um show de stand up comedy na vida, só trabalhado como ator, jornalista e música. E detalhe: tudo que o paulistano de 44 anos faz sempre está direta ou indiretamente ligado à sua maior paixão: a música, como explica na entrevista.


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Entre novembro e dezembro, Rafael volta aos palcos da Capital, com as devidas adequações exigidas pela pandemia. Para começar, na próxima sexta, às 21 horas, apresenta o stand up inédito Antivírus – O Show, baseado no período de isolamento social, no Teatro Procópio Ferreira. Aí no sábado, às 21 horas, canta composições próprias e clássicos da MPB no show Voz e Violão no Teatro Viradalata, onde também faz no dia 5 de dezembro, às 21 horas, o revival do stand up O Problema Não É Você, Sou Eu! e em 12 de dezembro, às 21 horas, realiza mais uma sessão de Antivírus – O Show.


No bate-papo, o ator, comediante, jornalista, apresentador, músico e escritor fala ainda do processo de amadurecimento que fez rever seu conceito de sucesso, da sua decepção com a política e dos planos para retornar à TV.


EMPREENDEDOR O isolamento social foi um período bem produtivo para você, não é mesmo?


Sem dúvida. Mas também foi um período dramático, sem trabalho e sem ver dinheiro entrando no banco. Tive de administrar a ansiedade, o medo e fritar a cabeça, para me virar para pagar as contas. Agora, em termos criativos, o isolamento social foi maravilhoso, porque desengavetei projetos, voltei a escrever e compus músicas. Pelo menos desde 2017, eu estava na dívida de fazer um novo show de stand up. Meu empresário me cobrava isso, meus parceiros de comédia e o público também esperavam por material inédito meu.


Não conseguia fazer isso por falta de tempo?


Sim. Eu andava basicamente atendendo demandas e ficava sem tempo para diversas coisas. Se não fosse a pandemia, não sei quando iria conseguir escrever um espetáculo de stand up tão bom como o Antivírus – O Show. Fiz esse trabalho de um modo diferente do que estava acostumado: pesquisei sobre comédia, vi material de outros comediantes, submeti o texto a pessoas do meio... Os meus shows anteriores nasciam de uma ideia e eram experimentados no palco mesmo. Assim, o que funcionava era mantido e lapidado; o que não ficava legal eu descartava. Sabe, tive poucos períodos de estabilidade desde que iniciei minha carreira em 94, aos 17. Os dez anos ininterruptos em que contei com contrato na TV – seis na Band, dois na Record e dois na Globo – foram uma exceção na minha trajetória. As emissoras, agora, em vez de ficarem com um artista no elenco fixo, preferem assinar contratos por obra. Eu não sofro mais com essa realidade, pois, no começo de 2018, entendi que o empreendedorismo não era mais uma opção e, sim, uma necessidade. Só não estou sem trabalhar por causa disso.


MÚLTIPLO Além de apresentador e comediante, você é músico, escritor e jornalista. O que veio primeiro entre tantas atividades?


Desde pequeno, sou agitado, ansioso, esse é o meu grande defeito. O meu ponto de partida foi a música, especialmente pela minha paixão pelo violão. Tentei ser violonista clássico e concertista dos 17 aos 22 anos, mas, apesar de ser disciplinado e dedicado, vi que aquilo não era para mim. O doido é que o violão foi me levando para as outras atividades; na verdade, ele está por trás de tudo o que faço até hoje. Para você ter uma ideia de como isso funciona: quando escrevo, me guio pelo ritmo e pela métrica musical; quando conto uma piada, é de uma maneira musical. Ou seja, o raciocínio musical me faz pensar melhor e exercitar todas as minhas outras facetas. Tenho certeza de que um dia vou parar de me dedicar à comédia, deixar de ser apresentador, no entanto a música não só veio primeiro como irá embora por último, quando eu morrer.


A música o levou, em primeiro lugar, para...


O teatro. O meu irmão Leonardo, que é meu melhor amigo e um ano e meio mais velho do que eu, foi meu ídolo de infância, meu espelho, naturalmente eu o copiava em tudo. E o Leo nunca teve dúvida vocacional, se descobriu ator aos 13 anos. Eu, em compensação, fiquei um tempo sem saber se seria músico, ator, comediante ou jornalista. Prestei nove vestibulares diferentes, iniciei três faculdades... Apesar de também ser parente do Raul Cortez e de a irmã gêmea da minha mãe ser atriz, demorei para ingressar no teatro. Isso apenas aconteceu porque eu tocava bem violão e uma companhia de teatro infantil de São Paulo precisava de alguém com essa habilidade para substituir um ator do seu espetáculo. Por quatro anos, rodei o Estado com esse grupo e aprendi na prática, no teste de fogo, a atuar.


Onde o Jornalismo entra no meio disso tudo?


Como na minha família, além de atores, há pintores, a minha mãe e o meu pai sempre tiveram um pé atrás com o meio artístico, por acompanharem os perrengues, as dificuldades que esses parentes enfrentaram. A minha mãe vivia falando: “Filho, faça o que você quiser, mas não deixe de ter o diploma de uma faculdade”. Eu botei isso na cabeça e optei pelo Jornalismo.


DECEPÇÃO Chegou a trabalhar na área?


Sim, trabalhei um breve período na Editora Abril, produzindo conteúdos digitais, o que me deu muita bagagem e saciou a vontade de vivenciar o dia a dia de uma redação. E no CQC, acho que fui mais jornalista do que comediante.


O programa ainda o aproximou da cobertura política.


É verdade. Recentemente, resgatei essa veia política devido ao convite para comandar uma série de lives com caras novas que concorrem à Câmara Municipal de São Paulo neste ano. Eu gostava muito de política na época do CQC, mas confesso que me decepcionei cobrindo a área, fiquei meio traumatizado, pois a gente do programa entrou na Câmara dos Deputados e no Senado de uma maneira... Antes disso, em 2004, trabalhei como assessor parlamentar de uma vereadora do PT em São Paulo e, com ela, tive uma visão legal da política. Aí, na época do CQC, fui para o Congresso, para convenções internacionais, para a ONU (Organização das Nações Unidas) e percebi que a política é um sistema viciado e assustador, em que o bom naturalmente será corrompido. Dá para contar nos dedos os bons políticos que existem, e esse não é um privilégio do Brasil.


COMÉDIA Quando teve consciência de que levava jeito para o humor?


O humor caiu no meu colo como um presente de Deus. Parece aquele papo cafona, clichê, de ator de que o personagem da novela foi um presente do Walcyr Carrasco, da Gloria Perez etc., mas, no meu caso, é a pura verdade. Eu nunca fui atrás da comédia, ela caiu no meu colo graças ao CQC. A princípio, recebi o convite para ser um produtor do programa, pois tinha experiência como produtor cultural e em backstage artístico. Só que insisti para fazer o teste para repórter. Consegui a vaga por uma questão de perseverança, de ser cara de pau. O mundo do stand up me foi apresentado através do Oscar (Filho), do Rafinha (Bastos) e do Danilo (Gentili). Eu, então, resolvi experimentar e me encontrei nisso. Apesar de ter consciência de que os meus primeiros shows eram ruins - as pessoas iam mais por causa da popularidade do CQC -, como houve uma química com a comédia, quis ficar bom nela. Hoje, estou no meio por mérito, não mais por oportunidade. Passados 12 anos, agora eu faço por merecer.


E já se apresentou até fora do País.


Ainda não caiu a ficha para mim de quantas coisas incríveis a comédia me proporciona. Uma delas foi fazer show no Japão. Em 2014, eu estava na geladeira na Record e recebia salário para não trabalhar. Sofri muito com isso. Um amigo disse para deixar de ser bobo e aproveitar para fazer o que tinha vontade. Foi assim que aceitei o convite para me apresentar no Japão, por duas semanas. Também não acredito até hoje que a comédia me possibilitou comprar a minha casa e o sítio modesto, para o qual gosto de ir no fim de semana. Sou muito grato por tudo.


AUTOBULLYING Nos seus shows e livros, você usa bastante a sua vida pessoal como matéria-prima. Como administra isso internamente?


As minhas experiências amorosas me renderam o livro Meu Azar com as Mulheres, o canal do YouTube Love Treta, o show de stand up O Problema Não É Você, Sou Eu! e, acima de tudo, me garantiram o perfil de comediante. Utilizei bastante as minhas histórias na condição de anti-herói, porque entendi que é um lugar maravilhoso e pouco explorado. Mostrei que era um cara que estava chegando aos 40 anos sem saber cozinhar e dirigir, que não dava certo com as mulheres e que não se cuidava direito. E encontrei um público para isso. Apenas decidi abandonar essa linha, pois ela começou a me fazer mal, por estar ligada ao autobullying. Estava, indiretamente, acreditando que eu era um m...


É muito autocrítico?


Sou meu maior juiz, meu maior crítico, mas também meu maior fã. Gosto de me assistir, porém não curto alguns dos trabalhos que fiz. Mesmo assim, respeito a minha iniciativa de tê-los lançado, por ter acreditado neles na ocasião. Por exemplo, não gosto do livro Meu Azar com as Mulheres. Minha obra seguinte, Memórias de Zarabatanas, é 20 vezes melhor. Reconheço que tive uma fase meio loser, por trabalhar demais e ficar sem tempo, por exemplo, para tirar carteira de motorista e engatar um relacionamento. No entanto, hoje, tenho uma namorada maravilhosa, dirijo bem e aprendi a cuidar da casa.


O que deseja daqui para frente?


Ajustei a minha perspectiva de sucesso. Há dez anos, eu queria fazer muito sucesso; hoje, desejo simplesmente que o reconhecimento das pessoas seja uma consequência do meu trabalho. Tenho claro que o sucesso é uma consequência, não uma finalidade. Em comparação com o Rafa de dez anos atrás, agora eu tenho um brilho no olhar, que antes não existia e é fruto de uma segurança pessoal. Estou mais maduro. E montei um projeto para negociar a minha volta para a TV: o Casa do Rafa, um programa de convivência do lar, que vai reforçar a importância de o homem se envolver também nas atividades domésticas. A minha coapresentadora será a Lena, que é o meu braço direito em casa há dez anos.


SERVIÇO: Os ingressos para os espetáculos de Rafael Cortez vão de R$ 20 a R$ 60. Podem ser adquiridos no site Sympla.


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