Nathalia Timberg relembra momentos de sua trajetória e fala sobre a pandemia à AT Revista

Um dos grandes nomes das artes cênicas, Nathalia Timberg está cheia de projetos

Por: Stevens Standke  -  19/12/21  -  10:58
  Foto: João Miguel Junior/Divulgação/Globo

Quando falei para Nathalia Timberg que ela é uma das damas do teatro, a atriz carioca de 92 anos demonstrou grande humildade, comentando: “As pessoas que me dão essa classificação”. Mas é fato: ela ocupa lugar de destaque não só na história do teatro brasileiro como na televisão e no cinema, com uma infinidade de trabalhos marcantes ao longo de oito décadas de profissão. Filha de europeus, Nathalia gosta demais da palavra formação. Não é à toa que ganhou uma bolsa para estudar teatro na França e jamais parou de se aperfeiçoar. Ela, inclusive, afirmou durante a entrevista: “Ainda dá tempo de aprender mais alguma coisa até o finzinho”.


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Hoje, Nathalia começa a retomar os projetos que foram adiados por causa da pandemia. Às 21h30, será exibida gratuitamente, na plataforma #Culturaemcasa, a sessão que gravou na última quinta-feira do espetáculo Chopin ou o Tormento do Ideal, que narra 20 anos da trajetória desse grande nome da música clássica. No bate-papo a seguir, a atriz dá algumas lições de vida enquanto comenta passagens curiosas de sua carreira.


O que a motivou a montar o espetáculo Chopin ou o Tormento do Ideal?


Essa peça, de certa forma, andava latente, porque é um projeto que já vinha comigo e que faz parte do meu repertório. Por mais que se trate de um texto que tem sido encenado ao longo do tempo (a primeira vez foi em 1987 em Paris, na França), quando você monta algo assim, acaba trazendo um novo olhar, do agora, para o espetáculo. Nele, são iluminados 20 anos da vida e da obra de Chopin a partir de cartas e declarações de seu grande amor.


Acredita que essa peça ganha um peso diferente por estarmos em plena pandemia de covid-19?


Para o momento atual, tudo o que conseguirmos apresentar de mais consistente e que possa nos tirar desse movimento transitório em que nos encontramos é válido demais, necessário. Principalmente porque a pandemia derrubou várias certezas que tínhamos. Sem falar que não é todo dia que você tem de deixar a sua vida para trás. Portanto, ver a obra e a trajetória de Chopin retratadas em cena vai fazer bem, já que o seu legado é eterno. O espetáculo também possui uma característica que, na minha opinião, é linda demais: ele faz a junção do teatro, por meio do texto e da poesia, com a música. Tenho muito prazer em lidar com isso.


A senhora já fez uma peça sobre Beethoven. A música clássica, por acaso, está presente no seu dia a dia?


Eu costumo escutar música clássica, sim. Espero que grande parte das pessoas que não cultivam esse hábito, um dia, venha a desenvolvê-lo. Engana-se quem acha que não consumo música moderna. Eu gosto de música, em geral. Vou variando o que ouço, dependendo do momento. Concorda que não é porque você gosta do Picasso que vai jogar fora o Leonardo da Vinci?


Sem dúvida. O seu gosto, então, é bem eclético.


Exatamente. Na minha vida como um todo, eu não sou de dividir, de separar as coisas em compartimentos. Por exemplo: na hora de fazer teatro, aprecio tanto autores clássicos quanto os modernos. Basta ver que, na época da universidade, eu ganhei uma bolsa para estudar teatro na França, e quando voltei para o Brasil, aos 25 anos, encenei obra do Nelson Rodrigues, chamada Senhora dos Afogados, sob direção da Bibi Ferreira.


Como foi essa experiência fora do País?


Eu fazia teatro universitário no período, no Rio de Janeiro. Algo que ajudou foi que, como os meus pais eram europeus (o pai holandês; a mãe belga) e falávamos francês em casa, eu dominava o idioma completamente. Então, se havia essa oportunidade de ampliar os meus horizontes, por que não? Gosto bastante da palavra formação. No teatro universitário, tive a possibilidade de me envolver em pesquisas e, ao estudar teatro na França, pude me desenvolver ainda mais. Isso contribuiu para que eu tivesse uma base sólida. Gostaria que todo mundo tivesse consciência de como é importante e essencial valorizar a educação, investir nela.


Ainda mais hoje em dia, não é mesmo?


Olha, o conhecimento humano cresceu de tal maneira que é impossível você abarcar tudo o que faz parte dele. Às vezes, é preciso focar em vias específicas e, depois, ir acessando toda a informação que existe em volta daquilo, por mais extenso que seja o caminho. Se pensarmos bem, o mundo atual está tão pequeno, por causa da globalização e de toda a conexão existente. Nós vivemos em uma aldeia, meu Deus do céu! Quanto maior for o nosso contato com várias culturas e com diferentes pontos de vista do conhecimento, melhor será, para todos nós! Até quando rejeitamos algo, nós devemos saber o motivo de estarmos recusando aquilo. Eu tenho 92 anos. Ainda dá tempo de aprender mais alguma coisa até o finzinho...


É estimulante ver a sua disposição.


Já vi pessoas fazerem um comentário que acho muito engraçado: “Tem gente que está morta e esqueceu de deitar”. Isso faz sentido, pois, se você realmente se mantém vivo e em constante troca com os outros, vai acabar se desenvolvendo, de alguma maneira. A sede pelo conhecimento é o que leva o ser humano adiante. Não podemos deixar de estimular isso. Na hora que pararmos de verdade, é melhor “deitarmos”. Deve ser triste demais constatar que o cérebro parou... Afinal, todo dia, somos convidados a ter novas experiências. E no teatro, o público é bombardeado por ideias; ele presencia um “estudo ao vivo” do ser humano e dos seus problemas. Repare como cada obra se debruça sobre alguma faceta do ser humano. O mesmo acontece no cinema etc. As artes cênicas discutem o ser humano.


O que procura transmitir para os atores que estão iniciando na carreira?


Digo para eles que o ator, mais do que nunca, tem de ampliar o seu universo, o máximo que conseguir. A gente lida com técnicas e linguagens que evoluíram com o passar do tempo. As artes cênicas começaram de um jeito quase tribal e chegaram agora a um nível, com o suporte da tecnologia... Mas o processo de interpretação, que vem lá da antiguidade, continua sendo a base; e o contato direto com o público, por meio do palco, se mostra insubstituível.


Costuma olhar para trás e analisar o que fez ao longo da carreira?


Sinceramente, eu não fico pensando sobre o que fiz ou deixei de fazer, porque a dedicação ao ofício e aos projetos que me proponho fazer toma todo o meu tempo. Tento me manter estimulada, com vontade de levar os trabalhos adiante. Procuro estar preparada, da melhor maneira possível, e com a cabeça em alerta.


Tem projetos em vista para depois do espetáculo Chopin ou o Tormento do Ideal?


Sim, estou com toda uma programação de teatro em encaminhamento. No próximo ano, vou voltar a mergulhar na obra do (Edward) Albee, com a peça Três Mulheres Altas (que também tem no elenco Nathalia Dill e Déborah Evelyn). Esse projeto acabou sofrendo um atraso, ele já devia ter iniciado, mas a pandemia atrapalhou todo o andamento das coisas. Desde que o coronavírus surgiu, eu tenho tentado não parar, resistir mentalmente diante desse período de estagnação que estamos vivendo. A fase de maior isolamento social foi preocupante, paralisante. Em meio a tudo o que está acontecendo, tenho uma certeza: ninguém passa por uma calamidade assim incólume.


E como encara o título de dama do teatro?


As pessoas que me dão essa classificação. Eu sou uma nonagenária que sempre procurou ajudar a desenvolver a área, tornar o trabalho viável e contribuir com as gerações que estão vindo. O papel do artista é tocar a sensibilidade e a inteligência do público. Espero que, ao longo dessas décadas, eu tenha conseguido, de alguma forma, tocar a sensibilidade e a inteligência das pessoas.


Em algum momento, cogitou seguir outra profissão?


Eu quase fui para a medicina.


Além de ter feito o Científico, eu tinha, por outro lado, as artes plásticas me chamando também. Tanto que frequentei a escola de belas artes (na antiga Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ). Na vida, os caminhos, as opções vão surgindo e você resolve quais irá seguir. Isso quando não é empurrado para determinada direção. Nem sempre nós temos noção, mas todo um conjunto de situações, de repente, determina muita coisa na nossa vida.


A senhora começou cedo, aos 6 anos, no filme O Grito da Mocidade.


Essa oportunidade veio porque os meus pais tinham uma relação de amizade com o (diretor teatral) Olavo de Barros. Foi ele que me carregou para fazer uma participação nesse longa-metragem do Raul Roulien. Aliás, o filme acabou queimando e eles tiveram que rodar uma outra versão. Nesse novo material, eu não apareci, pois precisei viajar com a minha família para visitar parentes na Europa.


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