Mês de julho é marcado pela campanha de conscientização sobre as hepatites virais

Geralmente os sintomas aparecem nas fases mais avançadas, com comprometimento hepático grave

Por: Alcione Herzog  -  18/07/21  -  09:07
  Hepatites atacam principalmente o fígado e podem provocar consequências graves
Hepatites atacam principalmente o fígado e podem provocar consequências graves   Foto: Adobe Stock

Simbolizado pela cor amarela, o mês de julho foi escolhido pelas autoridades de saúde para ampliar as campanhas de conscientização sobre as hepatites virais – que atacam principalmente o fígado e podem provocar consequências graves, como cirrose, câncer e morte. Essas infecções são silenciosas. Geralmente os sintomas aparecem nas fases mais avançadas, com comprometimento hepático grave. Mas, quando diagnosticadas precocemente, apresentam bons prognósticos e podem ser tratadas gratuitamente, pelo Sistema Único de Saúde (SUS).


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Cerca de 600 mil pessoas no Brasil vivem com o vírus da hepatite C ativo no organismo, com risco de ter cirrose hepática e câncer de fígado. Apenas na cidade de São Paulo, o número de pessoas com a doença, estimado pelo ambulatório de Hepatites do Centro de Referência e Treinamento (CRT), chega a 80 mil, com 37% de notificações e encaminhamentos para serviços especializados.


A diretora da unidade, a médica infectologista Simone Tenore, aponta que um dos principais desafios dos gestores que planejam e coordenam as políticas públicas nesse setor é ampliar o número de diagnósticos das hepatites crônicas virais, especialmente a versão mais perigosa delas: a C. “São doenças de curso lento e silencioso. Muitas vezes, os pacientes chegam com o diagnóstico tardio, quando a resposta ao tratamento é mais demorada e as complicações, mais frequentes”, explica.


Simone ressalta a importância do Julho Amarelo por trazer o assunto anualmente à tona, divulgando para a população as medidas preventivas e os serviços de testagem rápida em centros de referência municipais.


Há diferentes tipos de hepatite viral: A, B, C, D e E. Cada um é provocado por um agente diferente. E embora tenham particularidades, tendem a não apresentar sinais claros na sua fase inicial.


Com o tempo, surgem cansaço, febre, mal-estar, tontura, enjoo, vômitos, dor abdominal, pele e olhos amarelados (icterícia), urina escura e fezes claras. A doença ainda é associada a problemas cardiovasculares, dificuldades cognitivas e até a depressão.


As versões B e C, com maior probabilidade de evoluírem para um estado crônico, são as mais preocupantes.


Principais armas


Em todas as variantes, a informação e a testagem massiva são as armas principais para evitar complicações. No caso da hepatite C, o momento do diagnóstico pode significar a diferença entre a vida e a morte do paciente, já que muitos acabam na fila do transplante de fígado.


“A hepatite C preocupa por se tornar crônica em 70% dos casos. Muitas vezes, episódios agudos também passam despercebidos. Boa parte dos contaminados é completamente assintomática ou confunde os sintomas com uma gripe ou mal-estar. Ao longo dos anos, os danos ao fígado vão se alastrando sem alarde”, diz Simone.


Com a variante B, a situação é diferente. Ao contrário da C, ela conta com vacina na rede pública. Além disso, entre os que não se vacinaram, a minoria evolui para o estágio crônico. O que preocupa os médicos é que o vírus desse tipo de hepatite pode causar câncer.


Existe cura


Entre as hepatites crônicas a C também é a campeã no número de óbitos: 76% do total de casos no período de 2009 a 2019, de acordo com os boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde. Entre 2000 e 2018 foram registradas 74.864 mortes por algum tipo de hepatite. Destas, 57.023 por causa do vírus C.


A boa notícia é que esse tipo da enfermidade tem cura. Com os tratamentos atuais, a probabilidade é que 98% dos casos sejam eliminados. Por isso é importante que as pessoas saibam se são portadoras para se tratar a tempo de anular o agente transmissor.


No caso de pacientes crônicos da variante B, o tratamento é mais difícil e costuma durar até o fim da vida. Menos de 10% se curam, mas os pacientes podem conseguir viver com qualidade.


Avanços no tratamento


De acordo com Simone Tenore, nos últimos seis anos, houve grande avanço no tratamento da hepatite C. A cura decorre da ingestão de comprimidos por cerca de três meses. Outro progresso foi a conquista da liberação gratuita e imediata desse medicamento em unidades do SUS. Antes, isso passava por alguns crivos e havia uma demora na entrega.


Reviravolta na vida


Jeová Fragoso, fundador e presidente do Grupo Esperança, entidade dedicada a apoiar pacientes e a conscientizar sobre a doença, viveu na pele essa e várias outras mudanças. Foram muitas batalhas vencidas não só como ativista, mas também como paciente transplantado.


O petroleiro aposentado descobriu que era portador da hepatite C em 1994, por acaso, ao tentar doar sangue. Tinha apenas 37 anos. Começava ali uma saga para defender a própria vida, numa época em que não havia remédios e o desconhecimento sobre a patologia era enorme até na comunidade médica. “Soube que o banco de sangue rejeitou minha amostra. Não havia um protocolo para comunicar as pessoas infectadas. Não fui avisado”.


Jeová foi ao médico e ele recomendou vida normal. Cinco anos depois, vieram algumas dores abdominais. Desconfiado de uma gastrite, o petroleiro aposentado procurou o mesmo médico. Ao rever o prontuário, o especialista pediu um exame específico, pois, segundo as pesquisas feitas no período, ter o vírus da hepatite C exigia atenção. Mas nenhum plano de saúde cobria o exame, por ser um procedimento novo. Preocupado, Jeová desembolsou R$ 1.600.


“Eu estava assintomático, porque a gastrite que tinha foi logo curada. Mesmo assim, depois do exame, fui encaminhado a espécie de biópsia”. Ao buscar o resultado, na Capital, o baque: “Fui informado que meu caso era grave e que precisava de transplante. Na época, disseram que 2/3 das pessoas na fila morriam antes de conseguir ser operadas”.


Grupo esperança


Todas essas situações foram como sinais de que algo precisava ser feito. Entre as batalhas no radar estava a cobrança de políticas para ampliar o diagnóstico precoce e de mais investimentos para tratar as pessoas pelo SUS. Assim, em 1999, Jeová fundou o Grupo Esperança.


Foram muitas as campanhas de conscientização e reuniões com representantes do Ministério da Saúde cobrando ações com testagens na população. Ao mesmo tempo, o aposentado seguia na luta por sua vida. “Conforme surgiam medicamentos, eu participava dos estudos. E em 2014, já bem ruim, consegui ser operado”.


Na época, a Ciência ainda precisava avançar na produção de melhores remédios. Os existentes eram caros demais e o SUS não cobria. Além disso, os efeitos adversos eram muito pesados e boa parte dos pacientes não conseguia terminar o tratamento.


Após ser transplantado, Jeová continuou infectado, pois o vírus permaneceu na corrente sanguínea. No entanto, na época, pessoas nessa situação não podiam tomar os medicamentos disponíveis. E o quadro de Jeová voltou a se agravar.


Em 2015, tudo mudou. Surgiram drogas mais eficazes e a cura passou a ser possível. Porém, o remédio não era ofertado na rede pública. “A gente tinha que judicializar. Cheguei a receber na sede da entidade medicamentos que custavam mais de R$ 800 mil após ações na Justiça”.


A bandeira do Grupo Esperança passou a ser também a inclusão dos novos medicamentos na cesta do SUS. Só na gestão do ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, o Governo Federal começou a garantir esse tratamento. Há pouco mais de um ano, a entrega ocorre de forma imediata nos serviços públicos.


A luta agora é para que as autoridades oficializem um protocolo clínico e de diretrizes terapêuticas para os chamados pacientes cirróticos – pessoas que se curaram, mas que ainda convivem com as sequelas deixadas pelo vírus da hepatite.


A força das Vacinas


José Geraldo Leite, epidemiologista do Grupo Pardini e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunização, lembra da importância das vacinas para o Brasil atingir o compromisso assumido com outros países de erradicar as hepatites virais até 2030.


O médico explica que o Brasil conta com vacinas para o vírus do tipo A, que são disponibilizadas no SUS para os menores de 5 anos e, nos serviços particulares, para qualquer idade. “Elas são importantes para evitar casos de infecções agudas mais graves. Temos também a vacina da hepatite B, que evita as formas aguda e crônica e por tabela acaba protegendo da hepatite D, que é agressiva”, esclarece.


Além de incentivar as pessoas a se imunizar e fazer os testes, as campanhas procuram informar sobre os cuidados na prevenção. “Cada tipo da doença tem formas diferentes de contaminação. Há as que são via contato sanguíneo, outras podem ser transmitidas pela alimentação e água. É uma enfermidade silenciosa, mas que pode ser prevenida”, enfatiza Milton Monteiro, enfermeiro infectologista do Hospital HSANP.


Quer tirar a dúvida e saber se é portador? Procure o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) da sua cidade. Em Santos, ele funciona na Rua da Constituição, 556, na Vila Mathias, de segunda a sexta, das 7 às 17 horas. O resultado sai em torno de dez minutos.


Entenda as diferenças


Hepatite A: Também conhecida como hepatite infecciosa. Na maioria dos casos é benigna, porém o curso sintomático e a letalidade aumentam com a idade. A transmissão é fecal-oral (contato de fezes com a boca). Essa doença tem grande relação com alimentos ou água não seguros e baixos níveis de saneamento. A prevenção inclui medidas de higienização das mãos e alimentos, além do uso de preservativos nas relações sexuais. No SUS, a vacina consta no calendário de imunização infantil. Após os 5 anos, é aplicada somente em clínicas privadas.


Hepatite B: Seu vírus, o HBV, está presente no sangue e em secreções. É também classificada como uma infecção sexualmente transmissível. Inicialmente, ocorre uma infecção aguda e, na maior parte dos casos, ela se resolve espontaneamente até seis meses após os primeiros sintomas, sendo considerada de curta duração. Contudo, algumas infecções permanecem e passam a ser consideradas crônicas. A cobertura vacinal atinge todas as idades. Caso você não seja vacinado ou não tenha tomado as três doses do imunizante, procure a UBS mais próxima. Previna-se também utilizando preservativo nas relações sexuais e não compartilhando objetos de uso pessoal – lâminas de barbear e depilar, escovas de dente, material de manicure etc.


Hepatite C: O vírus HCV está presente no sangue. Evite o compartilhamento de seringas, de agulhas, de cachimbos, de itens de higiene pessoal (lâminas de barbear e depilar, escovas de dente, alicates e outros objetos que furam ou cortam). Também procure não dividir itens para confecção de tatuagem e colocação de piercings e evite fazer sexo sem camisinha.


Não há vacina para esse tipo de hepatite, mas ele tem cura. É muito importante o diagnóstico em estágio inicial, já que se trata da forma viral com maior chance de se tornar crônica e evoluir para cirrose. Ainda é a variante mais letal.


Hepatite D: Também chamada de Delta, é causada pelo vírus D (VHD). Mas ele depende da presença do vírus do tipo B para infectar uma pessoa. Dessa maneira, quem toma a vacina contra a hepatite B fica protegido dessa variante também. Os modos de transmissão são os mesmos das hepatites dos tipos B e C.


Hepatite E: O vírus (HEV) atua de forma aguda e tem curta duração. Na maioria dos casos, é uma doença de caráter benigno. Porém, pode ser grave na gestante e, raramente, causa infecções crônicas em pessoas que tenham algum tipo de imunodeficiência. É transmitido principalmente pela via fecal-oral. Não existe vacina para essa variante.


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