Fonoaudióloga cria blog sobre desafios da maternidade e consegue mais de 1 milhão de seguidores

Após quatro livros e uma peça, trabalho de Thaís Vilarinho vai virar filme

Por: Stevens Standke  -  23/05/21  -  10:57
  Foto: Silvana Garzaro/Divulgação

Como uma espécie de terapia, a fonoaudióloga Thaís Vilarinho, de 42 anos, começou a fazer o Mãe Fora da Caixa, blog voltado ao turbilhão de sentimentos e aos questionamentos gerados pela maternidade. E com o seu jeito, sem rodeios, de falar sobre tais questões, cativou uma infinidade de mães – somente no Instagram e no Facebook ela tem 1,4 milhão de seguidores. Também escreveu quatro livros – o primeiro, Mãe Fora da Caixa, se tornou best-seller –, inspirou uma peça de teatro estrelada por Miá Mello e acaba de lançar o aplicativo gratuito Mãe Fora da Caixa, para Android e iOS, com textos e espaço para interação entre as usuárias. Na entrevista a seguir, a mãe do Matheus, de 13 anos, e do Thomás, de 10, detalha sua trajetória de sucesso e comenta os dilemas vividos pela maioria das mulheres com os filhos.


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O que foi fundamental para você começar a escrever sobre maternidade?


Iniciei o blog Mãe Fora da Caixa em 2014. O ponto de partida de tudo foi o meu primeiro puerpério. Como, na época, não tinha amigas com filhos e a minha irmã é bem mais nova, eu romantizava a maternidade, por falta de referências, como muita gente faz até hoje. Não tinha ideia da demanda, do tamanho da responsabilidade que é ser mãe. E acredito que ainda tive um pouco de depressão pós-parto. Eu me questionava: “Por que as pessoas só falam da parte boa e deixam de comentar a parte desafiadora da maternidade?” Isso me levou a escrever sobre o assunto, encarei o blog meio como se fosse o meu diário. Para minha surpresa, várias mães se identificaram com os conteúdos, com a minha postura de falar abertamente o que estava sentindo. Nunca me preocupei em fazer sucesso. Tudo aconteceu de forma gradual, sabe? Aí, em 2017, lancei o meu primeiro livro, que também se chama Mãe Fora da Caixa, porque as pessoas que me acompanham na internet me incentivaram a fazer isso. Escrever para mim sempre foi algo meio terapêutico e que ainda me permite pôr em prática um traço muito forte da minha personalidade, que é gostar de acolher, de ajudar o outro. De repente, a escrita se tornou uma fonte de renda e a minha primeira obra acabou virando um best-seller no segmento de maternidade. Aí, em fevereiro de 2019, o ator e produtor Pablo Sanábio me procurou para fazer uma peça de teatro inspirada no livro. A princípio, achei que era uma pegadinha. O Pablo conheceu o meu trabalho, pois ele e o marido tinham adotado uma criança e, nas pesquisas motivadas pelos questionamentos da paternidade, encontrou o meu blog e o meu livro.


Como foi o processo de adaptação da obra para o teatro?


Ele ficou a cargo de uma roteirista da Globo, a Cláudia Gomes, e foi bem rápido. Tanto é que, em maio e junho de 2019, passei um tempo no Rio de Janeiro para acompanhar os ensaios e, em julho, o espetáculo, estrelado pela Miá Mello, começou temporada que se estendeu até o mês de dezembro. Em janeiro do ano passado, estreamos em São Paulo. Um pouco antes do anúncio da pandemia, estávamos esgotando todas as sessões da peça na sexta, no sábado e no domingo, sendo que o teatro comportava mais de 700 pessoas. Durante o período de maior isolamento social, chegamos a fazer algumas sessões on-line, mas a ideia é retomar o espetáculo em janeiro do ano que vem, desde que haja condições para isso.


Vocês, por acaso, pretendem fazer um filme baseado no livro e na peça?


Esse projeto está em andamento, já assinei até o contrato. Em paralelo, estou montando um curso inspirado no meu segundo livro, Mãe Recém-Nascida, que tem número de vendas bem parecido ao do Mãe Fora da Caixa. Devo lançar o curso ainda neste ano. Assim como o livro, ele surgiu da constatação de que as mães de primeira viagem geralmente focam nas questões mais práticas – por exemplo, qual vai ser o carrinho do bebê – e costumam esquecer do mais importante, que é estarem fortalecidas para a maternidade. O que envolve a autopercepção, o autoconhecimento e também a aceitação das transformações que acontecem no corpo após o nascimento do filho.


Tem conseguido se dedicar à sua profissão original, de fonoaudióloga?


Eu continuo atendendo até hoje. E como cursei Fonoaudiologia com a intenção de trabalhar com crianças, aproveitei e ainda escrevi dois livros infantis (Deixa Eu Te Contar.... e A Grande Roda), que uso, inclusive, nos tratamentos. Mas não sei até quando vou conseguir conciliar as duas carreiras, porque lancei o aplicativo Mãe Fora da Caixa em abril e a demanda tem aumentado demais. Estou muito feliz com o retorno do app. Tive a ideia de criá-lo devido a posts que fiz nas minhas redes sociais incentivando as mães a formarem grupos nas suas cidades para se conhecerem e compartilharem experiências. Ao ver que vários grupos surgiram ao redor do País, pensei: “Que tal desenvolver um aplicativo que, além dos meus textos, tenha espaço para grupos e funcione como uma rede social para as mães?” Hoje, já existem mais de 500 grupos dentro do app, alguns formados até por mulheres que moram fora do Brasil.


Antes da entrevista, você falou da sua ligação com Santos. Ainda tem família na Cidade?


Sim, a minha avó. Eu nasci e cresci em Campinas. Com o tempo, me mudei para São Paulo. Só que sempre fui para Santos, principalmente nos fins de semana. Tenho diversas lembranças marcantes, pois todos os meus avós moravam na Cidade. E no ano passado, na fase inicial do isolamento social, eu morei por um período em Santos.


Você mudou muito da gravidez do Matheus para a do Thomás?


De um filho para outro, é uma outra maternidade. Tanto é que tem mulher que, por exemplo, não consegue amamentar na primeira gestação e, na segunda, dá de mamar para o bebê. A mãe, assim como o filho, vai passando por fases, e cada uma delas possui uma parte difícil e outra mais fácil. Isso faz com que a gente adquira sabedoria, amadureça e se conheça melhor. Mas é importante dizer que a maternidade não é uma regra.


Como assim?


A sensação que a maioria das mulheres tem é que para elas, entre aspas, serem bem-sucedidas precisam se tornar mães. Só que, na realidade, a maternidade deve ser uma escolha; não há problema em a mulher não querer ter filhos. O que não dá para negar é que a maternidade representa uma oportunidade profunda de autoconhecimento e de transformação. A gente revê os nossos valores. Questões que antes considerávamos superimportantes acabam perdendo o sentido. A mãe também tem de aprender a aceitar que não possui o controle de tudo e que as coisas não dependem apenas dela. Sem contar que o filho terá personalidade e vontades próprias e ela vai precisar lidar com isso da melhor maneira possível. Senão, acabará sofrendo.


Quais questões vividas pelas mães mereciam ser mais discutidas pela sociedade?


Lembro que, quando o meu primeiro filho nasceu, eu sentia vontade de chorar à noite. O médico disse que eu estava no baby blues. Pouco se fala sobre isso. Sendo que boa parte das mulheres passa por essa fase. É como se fosse uma TPM em doses cavalares, pois, quando o filho nasce, a mãe fica com uma montanha-russa de hormônios dentro dela. Aí, até o corpo equilibrar tudo, é normal bater uma insegurança, uma afliçãozinha e, principalmente ao escurecer, dar vontade de chorar.


O que difere o baby blues da depressão pós-parto?


O baby blues é uma questão mais hormonal, e assim como a TPM, ele pega mais para algumas mulheres. Costuma durar até uns 15 dias após o parto. O baby blues é algo mais pontual. Apesar de dar vontade de chorar à noite, durante o dia a mulher tem ânimo para fazer as coisas. Já a depressão pós-parto é algo mais grave, que envolve um desânimo, uma tristeza, uma falta de vontade constante de fazer as coisas. Antes, achava-se que, na depressão pós-parto, a mãe só negava o bebê. Mas também existe o oposto da superproteção, de ela não deixar ninguém pegar ou cuidar da criança. Se um mês depois do parto a mulher não melhora, ela deve procurar ajuda profissional. Junto a isso, é preciso que a mãe saiba distinguir os sintomas do cansaço e da privação de sono – tão comuns no início da maternidade – da tristeza e da infelicidade que persistem e que podem indicar a existência de uma depressão pós-parto.


Gostaria de destacar algum outro dilema comum?


A amamentação é romantizada de um modo insuportável. A esmagadora maioria das mulheres, no começo dessa fase, sofre horrores. É algo que machuca, o peito pode sangrar e a mãe não conseguir dar de mamar. Às vezes, ela pode até ter uma mastite. Demora um pouco para regular a amamentação. Algumas mulheres entram numa noia ou mesmo em depressão por não amamentarem. Elas acham que não são boas o suficiente e que não vão criar conexão com o filho. No mestrado que fiz, vi que não funciona assim. Outra questão importantíssima é que o mercado de trabalho costuma excluir a mulher que se torna mãe. Por mais que algumas empresas tenham condutas bem legais e assertivas, existem casos de profissionais que são mandadas embora logo após a licença-maternidade. No dia em que o mercado de trabalho realmente entender que também é papel do pai criar a criança e houver uma realidade mais igualitária, não teremos mais tanta exclusão profissional das mulheres que são mães.


Mas um número cada vez maior de homens tem dividido com as mulheres as tarefas da casa e a educação dos filhos.


Tivemos avanços nesse sentido, sim. Os pais, sem dúvida, estão bem mais participativos. Só que, mesmo assim, ainda é muito pouco. Se compararmos o Brasil com alguns países da Europa, veremos o quanto estamos atrasados. Nesses lugares, o pai também tem seis meses de licença e muitos, quando a mulher retorna ao trabalho, assumem os cuidados da criança até ela completar 1 ano.


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