Especialistas orientam como viver de bem com o passado

Só podemos construir a realidade que queremos se estivermos plenos de força e vitalidade

Por: Alcione Herzog  -  30/05/21  -  10:16
  Isso tem mais a ver com Ciência do que se imagina
Isso tem mais a ver com Ciência do que se imagina   Foto: Divulgação

É preciso respeitar e trabalhar o legado deixado por seus ancestrais para viver melhor e ter um futuro marcado pela felicidade e pelo sucesso. Especialistas orientam como fazer isso. “No presente, a mente, o corpo é diferente e o passado é uma roupa que não nos serve mais”, diz Belchior, na música Velha Roupa Colorida, ao rejeitar tudo o que na década de 1970 soava como antigo, retrógrado e ultrapassado. Se essa afirmação fazia sentido dentro do movimento de contracultura da época, hoje o que muitos especialistas em psicologia afirmam é justamente o contrário.


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Tanto os adeptos da chamada Constelação Sistêmica quanto os terapeutas focados em técnicas de resgate do poder ancestral entendem que só podemos construir a realidade que queremos se estivermos plenos de força e vitalidade. Isso só acontece quando aceitamos e honramos a nossa própria história reconhecendo, agradecendo e valorizando o legado de nossos ancestrais.


Atenção: honrar não significa concordar. Podemos fazer diferente, mas não temos como negar que se estamos aqui, vivos, é porque os que vieram antes percorreram os seus próprios caminhos como foi possível. “Quando passamos a acolher, honrar e agradecer a força e a coragem dos que vieram antes de nós, o acesso à nossa verdadeira herança e potência é aberto e um mundonovo se abre”, resume a psicóloga e terapeuta quântica Letícia Borges Taveira, criadora da técnica Espiral Ancestral e da jornada on-line Resgate Seu Poder Ancestral.


Não é papo místico


Isso tem mais a ver com Ciência do que se imagina. Quem ensina é a terapeuta, life coach e escritora Marinélia Leal. Ela nos encoraja a olhar as coisas com os olhos curiosos de um cientista. “Imagine-se, por exemplo, comprando uma fruta no supermercado. É impossível você achar que ela surgiu do nada naquela gôndola. Seria um olhar muito limitado. Pois bem, nós também não viemos do nada, somos resultado de um processo que começou antes de nós”.


Quando olhamos para algo, devemos perceber que ali existe uma história. E história é legado. Ao abrirmos uma maçã, detectamos que dentro há sementes. Essas sementes mostram a forma como a maçã se transformou em um fruto. Ao mesmo tempo, as sementes também são a condição para que, um dia, novas maçãs surjam.


Ou seja: passado, presente e futuro estão conectados aí. Essa linha de raciocínio segue com o exemplo das árvores. Parece óbvio dizer que esse tipo de ser vivo só existe porque possui uma raiz. Além da estabilidade, a razão pela qual a planta está fincada no solo é para que possa receber da terra boa parte do que precisa para se desenvolver e viver. Claro que há outros elementos indispensáveis, como o sol e a chuva, mas, sem raízes, uma árvore definitivamente não resiste.


Assim é também a relação com a nossa ancestralidade. “Do mesmo modo que maçãs e plantas existem graças aos legados propiciados por suas raízes, nós também precisamos das nossas raízes para estarmos vivos. São elas que nos mantêm inteiros, aptos a viver a vida que desejamos”, compara Marinélia. E é inegável que uma raiz fraca tem dificuldade para transportar o substrato para o restante da planta. Impedido de absorver os nutrientes que precisa da terra, esse vegetal dificilmente dará bons frutos.


A sustentação que garante a longevidade também ficará vulnerável às intempéries. Além de identificar que nosso enraizamento é simbolizado por nossa ancestralidade, precisamos perceber que, quanto mais fortes forem as nossas raízes, mais potente será a nossa vida.


Honre as suas origens


“Se tenho uma planta, como fortaleço a sua raiz? Eu cuido, alimento o seu solo com tudo o que é preciso. A mesma coisa devemos fazer com a nossa ancestralidade. Olhar para a história de nossos pais, avós e demais antepassados e nutri-los de reconhecimento, amor e gratidão é garantir que seremos como a árvore estruturada, frondosa e com frutos mais doces.


É um processo essencial para uma vida mais harmoniosa e equilibrada”, diz Marinélia Leal, autora do audiobook Ancestralidade pelo Olhar do Rebirthing.


Letícia Taveira adverte que tanto em termo macro quanto micro negligenciar ou criticar os antepassados é ruim em múltiplos aspectos. Para a terapeuta, esse é um dos motivos de tantos problemas de autoestima e de falta de amor próprio na humanidade atualmente. “Vivemos em um país que rejeita os seus ancestrais e sofremos muito as consequências disso diariamente sem nós nem percebermos”, afirma.


Postura hostil


Se ampliarmos a lente podemos lembrar da nossa própria história como brasileiros. Somos uma mistura principalmente de africanos, índios e portugueses e o que fizemos e fazemos com esses povos? No passado, os africanos foram escravizados e os índios, mortos. Hoje, os afrodescendentes são vítimas de violência racial e tira-se sarro dos portugueses. “Quando agimos assim, potencializamos em nós o que criticamos e bloqueamos o acesso a virtudes e habilidades que eles desenvolveram. Imagina só se pudermos reconhecer a força que herdamos dos africanos, a sabedoria natural que carregamos dos índios e a resiliência dos portugueses? Tem ideia do povo incrível que seríamos?”, questiona Letícia Taveira.


Essa postura hostil pode se repetir de forma micro, ao olharmos as atitudes e vivências de nossos pais e avós com rigor, e de forma descontextualizada. Mais uma vez: pensar assim é um tiro no pé. “A maioria de nós vive criticando pais e avós, apontando o que acreditamos que eles fizeram e fazem de errado, julgando em vez de acolher e perceber que eles fizeram exatamente o melhor que eram capazes, nos possibilitando aprendizados para seguir em frente e melhorar. Enquanto ficamos no julgamento e na reclamação, acessamos o que resistimos. Quando passamos a acolher, honrar e agradecer, trilhamos o caminho da nossa verdadeira herança e potência e abre-se espaço para novo mundo”, resume.


  Bárbara está no processo de autoconhecimento e já vê resultados
Bárbara está no processo de autoconhecimento e já vê resultados   Foto: Alexsander Ferraz/AT

Com o devido suporte


Foram necessárias mais de três décadas para a empresária Bárbara Pinho de Araújo, de 35 anos, entender que muitas de suas experiências e conflitos podem ser trabalhados olhando para trás. Com a mediação de Letícia Taveira, ela está no processo de autoconhecimento e já vê resultados, principalmente na forma como lida com o seu empreendimento. “Estou nesse percurso de aberturas e descobertas e a primeira coisa a ser dita é: deve-se fazer isso com responsabilidade.


É preciso estar preparado para revisitar histórias e ter acompanhamento de um profissional com bagagem e que saiba o que está fazendo. Caso contrário, podemos ficar ainda mais confusos”. Ressalvas feitas, ela define esse percurso como transformador, principalmente após entender os motivos que sempre a levaram a ser tão perfeccionista e rigorosa consigo mesma em seus projetos. Quando veio a pandemia, ela sentiu muito o baque, já que seu negócio – um bar – pertence a um dos ramos econômicos mais afetados com a crise sanitária. “Cheguei a adoecer mentalmente e fisicamente por conta dessa autocobrança de fazer as coisas darem certo a qualquer custo. Virei um zumbi praticamente”, desabafa.


Bárbara conta que perdeu totalmente o ânimo e ficou sem se reconhecer. No processo de se reerguer, decidiu que nunca mais se abandonaria. “Resolvi não me deixar mais afetar a esse ponto. Mas, para ter essa força, precisei entender o que me fazia agir assim nas dificuldades. Com a ajuda terapêutica focada na ancestralidade, resgatei o que precisava ser trazido para a superfície, entendi, acolhi, aceitei, ressignifiquei, colhi o aprendizado e as potências que herdei”.


Antes a vida era vazia e a empresária não sabia o porquê. Hoje, a sensação que tem é de preenchimento, plenitude. “Considero transformador saber olhar com carinho e empatia para nossos pais e entender o que faltou para eles também. Dessa forma, as coisas que nos comprimem vão sendo dissolvidas aos poucos. É um processo bonito e para o resto da vida”, arremata.


Visão sistêmica


Negar do que somos feitos e dar murro em ponta de faca, como dizia a nossa avó, traz dores de todos os tipos e tamanhos. Na opinião de Letícia Taveira, isso acontece porque, enquanto não aceitamos os nossos antepassados, no fundo não nos aceitamos plenamente. Julgar quem nos possibilitou estar aqui é repelir a nós mesmos. “As informações das gerações antes de nós estão em nosso DNA, gostemos ou não”.


Então, que tal pensar nos pais dos pais dos seus avós e se perguntar: de onde eles vieram? Quantas lutas travaram? Por quanta fome já passaram? A quantas guerras já sobreviveram? Por outro lado, quanto amor, força, alegrias e estímulos nos deixaram de legado? E quanto da força para existir cada um deles teve e deixou dentro de nós para que hoje estejamos vivos? Segundo Roberto Debski, médico, psicólogo, especialista e facilitador em Constelação Familiar, essas perguntas traduzem um pouco da concepção da visão sistêmica que embasa os processos de constelações familiares. Essa ferramenta, reconhecida como parte da política nacional de práticas integrativas e complementares do Sistema Único de Saúde (SUS), coloca que cada indivíduo une os destinos das pessoas de duas famílias (paterna e materna).


Debski explica que, dentro de nós, temos a união desses dois núcleos, desses dois sistemas familiares. No núcleo de cada célula, os pares de cromossomos são formados 50% da parte materna e 50% da paterna. Somos a fusão de duas existências que gerou uma terceira. Trazemos intrinsecamente o significado da integração na formação mais primária do nosso ser. “Além da herança genética que temos – 50% de cada pai, 25% de cada avô, 12,5% de cada bisavô e assim por diante –, nós herdamos também as características e as histórias que todos viveram, quer tenhamos os conhecido ou não”.


Epigenética e emaranhamentos


Estudos de uma área da Ciência chamada epigenética mostram um pouco dessa herança transgeracional causada por mecanismos bioquímicos complexos que alteram o funcionamento das células e até traços de hereditariedade sem mexer diretamente no DNA. “Já se sabe pela medicina, biologia e psicologia que pessoas que são descendentes, por exemplo, de prisioneiros de guerra, de campo de concentração ou que passaram por outras situações difíceis têm maior tendência a desenvolver transtornos psiquiátricos, obesidade, doenças crônicas. Tudo isso devido à herança epigenética”.


O gene não muda em uma, duas ou três gerações, porém a expressão desse gene, que é o que a epigenética estuda, se modifica, de acordo com o que nós vivemos. E essa mudança da expressão do gene se transmite adiante por gerações. Por isso, trazemos a força e a vida que vêm de todas essas pessoas. Consequentemente, aprender a lidar com isso de forma adequada pode proporcionar resultados bem positivos.


Nas mais de mil constelações que ajudou a fazer em seis anos de trabalho, o psicólogo acompanhou pessoas que conseguiram se desprender de padrões de sofrimento e do que os especialistas nessa área chamam de emaranhamentos. Ou seja, dificuldades nos relacionamentos familiares, afetivos e amorosos, nos padrões disfuncionais no campo da prosperidade e profissional. “Com essa técnica, as pessoas constatam a origem do seu emaranhamento e os padrões que trazem consigo. Conseguem se desidentificar e viver a partir de um novo padrão de comportamento, de atitudes que, consequentemente, trazem novas respostas”.


Novas perspectivas para o futuro


A constelação pode ser feita individualmente e acompanhar um processo psicoterapêutico com o psicólogo ou complementar várias outras técnicas na medicina. O objetivo é ajudar as pessoas a fazerem movimentos saudáveis ao assumirem a responsabilidade de suas vidas, cuidando de seu emocional de maneira adulta, responsável e resiliente. “Quando fazemos esse movimento de respeitar o nosso pertencimento a esses sistemas familiares, de nos colocarmos no nosso lugar na hierarquia familiar, de sabermos equilibrar as relações de troca, o dar e o tomar a vida que nos foi legada, sempre honrando os que vieram antes, sem julgar nem mesmo os antepassados que fizeram movimentos não saudáveis, conseguimos nos curar e levar para as gerações seguintes uma evolução calcada no equilíbrio”.


As novas gerações não devem ficar presas nos dramas, nas dores e nas mágoas familiares, que perpetuam problemas por meio de dinâmicas de repetição. Assim, o futuro poderá ser totalmente novo, grávido de novas perspectivas. E então, como diria Belchior, a roupa velha e colorida pode até não caber mais, mas certamente terá lugar de destaque e gratidão no baú de nossas memórias.


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