Especialista em autoconhecimento fala sobre o ato de perdoar

Quem já perdoou verdadeiramente sabe que o ato traz leveza

Por: Alcione Herzog  -  29/08/21  -  07:55
 Heloísa Capelas é CEO do Centro Hoffman e, há quase três décadas, está à frente do Processo Hoffman no Brasil
Heloísa Capelas é CEO do Centro Hoffman e, há quase três décadas, está à frente do Processo Hoffman no Brasil   Foto: Divulgação

Há quem considere a segunda-feira como o dia internacional de começar o regime, cumprir uma promessa, colocar em prática o projeto tão planejado e tantos outros marcos na vida. Coincidência ou não, nesta segunda, a última de agosto, celebra-se o Dia Nacional do Perdão. Que tal perdoar aquela pessoa que um dia te feriu, ou mesmo perdoar a si mesmo por algum evento do passado que até hoje traz dor? Esse é o convite que a escritora Heloísa Capelas, autora dos best-sellers O Mapa da Felicidade e Perdão, a Revolução que Falta, faz na entrevista desta semana. Ela lembra que quando carregamos muito peso, o corpo dói. Especialista em autoconhecimento, inteligência emocional e inovação pessoal, ela é CEO do Centro Hoffman e, há quase três décadas, está à frente do Processo Hoffman no Brasil. O treinamento de autoconhecimento é aplicado em 15 países e já teve seus resultados cientificamente atestados. Idealizadora do “Universo do Autoconhecimento”, primeira plataforma de treinamentos e conteúdo online sobre o tema, Heloísa ainda é também coordenadora da Câmara Feminina do Instituto Êxito de Empreendedorismo.


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Perdoar pode ser uma atitude libertadora?


Sim. Perdoar não é camuflar os acontecimentos que nos magoam. Perdoar é igual a fazer as pazes com o passado e aceitar que cada acontecimento traz um aprendizado. Trata-se de uma questão de inteligência, uma atitude capaz de identificar as crenças negativas que nos levam a adotar comportamentos compulsivos e inconscientes que funcionam como amarras.


Por que perdoar é difícil?


As pessoas acham difícil porque elas têm medo de autorizar o algoz a machucá-las de novo. Então elas guardam esse lixo emocional por anos. Passam a ser desconfiadas, não se entregam a outras pessoas ou experiências. Entendem que é preciso endurecer para não serem feridas novamente.


Quais os reflexos que a falta do perdão pode trazer para a nossa vida?


Ao produzir, concentrar e represar esse lixo emocional as pessoas que se entram em um processo de adoecimento emocional e físico. Mas insisto, perdoar é possível e traz cura. Existem muitas pesquisas que mostram duas práticas como extremamente positivas para a saúde física e mental: a prece e o perdão. No caso do perdão, a libertação das mágoas é como deixar de carregar bagagens pesadas. Quando carregamos muito peso o corpo dói, ficamos cansados. Com os rancores e mágoas acontece o mesmo. Não se curar deles provoca dores como gastrite e doenças como infarto. Pode também desencadear ou intensificar doenças como depressão e outros.


Quais os benefícios no cotidiano da pessoa que consegue perdoar?


Passamos a ter mais pensamentos positivos e autoconfiança. A dor emocional vai abrindo espaço para sentimentos que reforçam a crença no futuro e na construção de novas possibilidades. Ao sonhar, ter esperança e planejar o futuro a vontade de viver aumenta. Cientificamente também está provado que os que têm maior capacidade de perdoar tem menos chances de ter estresse.


Dificuldade de perdoar tem a ver com as pessoas quererem controlar como os outros devem agir?


Sim, por isso friso a importância do autoconhecimento. Sem ele, mantemos a ilusão de que podemos controlar os resultados e as ações alheias e de que só assim podemos ficar felizes e satisfeitos. Mas a verdade é que só podemos e devemos controlar a maneira como nós reagimos aos eventos e às pessoas. Quando nos conhecemos o suficiente não caímos nessa armadilha, pois entendemos que a nossa felicidade não pode ser responsabilidade dos outros. Nossa vida não pode estar na mão de ninguém. É claro que o comportamento das pessoas me impacta. Mas eu escolho se esse impacto vai virar lixo dentro de mim ou se vou reciclar esse lixo e dar outro destino a ele. Não é deixar de ter raiva, frustração ou tristeza com o que recebo do outro. A questão não é não o sentir, mas entender o que eu devo fazer com esses sentimentos. Para perdoar é preciso esquecer


Para perdoar é preciso esquecer o que causou a dor?


Não. Não dá para esquecermos aquilo que nos marca. Deixar no passado não significa apagar da memória, significa parar de sentir dor. Não é negar, é entender que foi um capítulo da vida, uma página virada. Perdoar também não tem a ver com bondade. Tem a ver com inteligência.


Quais atitudes podem ajudar na jornada pelo perdão?


O primeiro passo é praticar a autoconsciência. Algumas das nossas mágoas mais profundas estão inconscientes e afetam nosso comportamento sem que a gente possa se dar conta. É preciso reconhecê-las e assumi-las para si, ainda que sejam muito doloridas ou, ao contrário, pareçam até bobas ou pequenas. O segundo passo é evitar a autocrítica. Ao identificar os próprios rancores, muita gente exagera na autocrítica e passa a se enxergar como uma pessoa inferior, pior ou até mais maldosa que as demais. Esses pensamentos automáticos precisam ser superados para que se possa, efetivamente, compreender e lidar com as dores que se sente. Outra dica é questionar-se sempre. Não são apenas os grandes acontecimentos que se tornam imperdoáveis e que nos levam ao círculo vicioso da vingança e da auto vingança. Muitas vezes, episódios cotidianos e aparentemente irrisórios também nos impactam muito negativamente. Podemos também ampliar nossa compreensão sobre o outro. Assim como nós próprios nos constituímos de maneira única, as outras pessoas também têm valores, noções e maneiras de se comportar que são só seus. O outro não tem como atender nossas expectativas. Por fim, desmistifique suas crenças sobre o perdão. Perdoar não é um superpoder, não é uma habilidade para poucos e não é algo que o torna fraco ou inferior em relação ao outro.


Por que você resolveu escrever um livro sobre esse tema tão complexo?


Porque eu me perdoei. Fui uma mãe tão maluca! Tenho uma filha que ficou deficiente e eu quis que ela voltasse a ser como era antes. Eu não a aceitava como ela passou a ser. Poder olhar para isso, me perdoar e me considerar uma pessoa boa foi um processo avassalador. Foi quando comecei a desenvolver o processo Hoffman, que é esse método que nos leva a esse sentimento de compreensão, perdão e amor. Foi quando passei a viver. Vinte e cinco anos depois ainda quis escrever um livro sobre isso. Sou a prova que perdoar e se perdoar é transformador. Muda totalmente a perspectiva de vida. É um outro jeito de caminhar e de olhar as pessoas. No fundo, entendemos que todos somos amor. A gente só se atrapalha. E temos então a clareza de que a falta de perdão acaba sendo maior causador de todos os males da humanidade.


Pedir perdão também requer um aprendizado?


Sem dúvida. É um trabalho de lidar com o próprio orgulho. Ao reconhecermos um erro e pedirmos perdão temos de ter junto um movimento de ressarcimento. A pergunta é: o que posso fazer para consertar o meu erro? De que forma posso reestabelecer a justiça. Precisamos também aprender a pedir perdão.


E quando erramos, reconhecemos a falha, pedimos sinceramente o perdão, mas não o obtemos? Como lidar com essa negativa?


Sempre corremos esse risco e ninguém tem obrigação de nos perdoar. Fazemos a nossa parte. Pedimos perdão e mostramos que estamos prontos a ressarcir aquilo que estragamos. Demonstramos que queremos ser dignos de confiança e precisamos esperar do outro a boa vontade. Pode ser que o outro me não perdoe pelo resto da vida. Isso não é mais problema meu. Quem vai estar carregando um saco pesado de razão é ele. Quem ficará magoado pelo resto da vida é ele.


Quando erramos e pedimos perdão é importante também o esforço de tentar não cometer mais erros? Caso contrário, fica fácil errar toda hora e pedir desculpas, não?


Não pode virar uma palhaçada. Perdão não é só uma palavra, é algo de um significado profundo. Eu me liberto da minha culpa e liberto você da sua culpa. Esse cenário é muito diferente de um pedido de desculpas. A desculpa é “por favor tire a minha culpa”. Perdão é “eu reconheço que errei e me comprometo a prestar mais atenção”. Não posso também prometer que nunca mais vou errar, pois isso seria história da carochinha. Somos seres falíveis. Mas devo me comprometer, sim, a colocar atenção nos meus atos para não ferir mais.


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