Economista dá dicas para melhorar a vida financeira em 2021

Ricardo Humberto Rocha ainda diz como os pais podem aperfeiçoar a relação dos filhos com o dinheiro

Por: Stevens Standke  -  03/01/21  -  13:47
  Foto: Divulgação

O tão aguardado 2021 está aíe, com ele, chega a hora de organizar a sua vida financeira. Para ajudar nesse processo, conversamos com o economista e professor de Finanças do Insper Ricardo Humberto Rocha. Doutor em Finanças pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de livros como Invista Seu Dinheiro: Como Cultivar Riqueza para Realizar Sonhos e Ter uma Vida Feliz, Ricardo ensina, a seguir, desde como montar um orçamento eficiente para seu lar até táticas que farão a diferença na hora de quitar dívidas e definir a melhor forma de guardar dinheiro. Também aponta erros comuns na educação financeira que os pais costumam dar para os filhos.


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PLANEJAMENTO Quais cuidados são necessários para manter a vida financeira em dia em 2021?


Em primeiro lugar, é preciso fazer um orçamento para o ano. Nele,a gente deve considerar o quanto recebe de salário líquido – se alguém mais contribuir com as despesas da casa, vale considerara renda líquida total. A seguir, devemos detalhar tudo o que saide dinheiro – as despesas fixas e as variáveis. O que é fixo? Aluguel ou a prestação do imóvel, IPTU, contas de luz, de celular, a escola do filho, os custos do veículo, gastos com alimentação dentro e fora do lar... Assim, temos como saber quanto de dinheiro vai sobrar por mês.Por exemplo, se a renda da família é de R$ 7 mil e as despesas ficam em R$ 5 mil, sobrarão R$ 2 mil por mês, que precisam ter um destino: deve-se definir se essa quantia será guardada por completo e aplicada ou se parte irá para algo que deseja fazer, como uma reforma, viagem ou compra de algo com valor maior. Também é fundamental incluir no orçamento as parcelas que vêmna fatura do cartão de crédito.


Existe uma boa tática para estipular quanto de dinheiro será guardado?


Sugiro duas estratégias. Uma é a pessoa considerar sua renda bruta e definir que, por exemplo, vai guardar 10% desse valor todo mês. A outra tática que acho interessante é colocar para si que, até o fim do ano, poupará, por exemplo, R$ 12 mil e, aí, ir administrando mês a mês o quanto consegue juntar. Haverá um mês em que mais dinheiro irá para a reserva; em outro, a quantia pode diminuir.O importante é ir monitorando, para bater a meta. Gostaria de propor reflexão: o brasileiro costuma ter habilidades para manter um trabalho adicional, mas, ao contrário do que ocorre no exterior, a gente não possui esse hábito, que acelera nossa capacidade de guardar dinheiro. Acredito que o trabalho extra deveria fazer parte do nosso cotidiano, não ser algo só para quando não estamos com as finanças em dia. Essa atividade adicional acaba variando caso a caso, ou seja, ela vai depender das competências e da realidade de cada um. O profissional de TI pode dar aulas no fim de semana para idosos que querem aprender a usar aplicativos de videoconferência.Se você tem um amigo que é dono de restaurante e precisa de alguém para cobri-lo no fim de semana, pode se oferecer para auxiliá-lo.


E quem está desempregado tem como, por meio disso, se recolocar. Pode dar algum outro exemplo?


Aproveito para complementaro que disse antes: numa empresa, havia dois profissionais com salários altos e idênticos. Um era poupador; o outro vivia endividado. Aconselhei esse profissional com problemas de dinheiro a incluir no orçamento trabalho adicional. Isso o ajudou a reequilibrar as contas.


Essa ocupação extra pode surgir,de repente, de uma habilidade gastronômica, no artesanato...?


Sem dúvida. Há pessoas na faixa dos 60 e 70 anos que estão notando que não vão conseguir viver só com a aposentadoria e que precisam se reinventar. Às vezes, uma opção é colocar no Airbnb a casa de campo ou praia que fica fechada a maior parte do ano. É válido aproveitar um ativo para gerar renda adicional.


PRIORIDADES Pela atual conjuntura econômica, o que podemos esperar de 2021?


Ainda existem algumas incertezas, ligadas à vacina da covid-19. Se o processo de imunização se mostrar rápido e eficiente, a recuperação econômica do Brasil deve se acelerar. Mas, mesmo com essa possibilidade, não recomendo se entusiasmar demais, gastando o que não gastou em 2020. No ano passado, as pessoas consumiram uma série de coisas a menos, aconselho todo mundo a continuar colocando prioridades nas suas despesas, pois 2020 foi um ano em que aprendemos a viver com menos e a organizar melhor o consumo. Ainda indico novo hábito para abril.


Refere-se a que exatamente?


Como em abril termina o prazo para entregarmos a declaração do Imposto de Renda, sugiro fazer um check up financeiro. Em outras palavras: após montarmos, agora no início do ano, o orçamento de 2021, em abril devemos comparar as declarações do Imposto de Renda deste ano e do anterior, porque nos permitem identificaro que pode ser ajustado e definir novas metas ou readequar as já existentes para os próximos meses. Por exemplo, se de uma declaração para a outra diminuiu o volume de dinheiro guardado, analise o que motivou isso. Se você não perdeuo emprego e não realizou compra significativa, como adquirir um carro ou dar entrada numa casa,é sinal de que está gastando além do que deveria e de que precisa fazer mudanças nas suas finanças.


RECUPERAÇÃO O que é mais indicado no caso de a pessoa estar endividada ou de as contas não fecharem no fim do mês?


Ela deve tentar não se desesperare pensar qual é a melhor forma de resolver a situação, reavaliando despesas e cogitando se não tem como gerar recursos adicionais. Para quem já possui a casa própria e está endividado, uma alternativa talvez seja hipotecar o imóvel pelo valor que necessita para quitar tais pendências. Por exemplo, se a casa vale R$ 700 mil e a dívida é deR$ 150 mil, dá para hipotecar o imóvel por dez anos, pois esse prazo mais longo vai implicar em prestações relativamente mais baixas. Essa estratégia é muito usada fora do País. Por aqui, já existem fintechs especializadas nisso. Agora, quando a dívida nãoé tão alta, pode-se refinanciaro veículo que se tem ou tentar negociar com o banco um pacote para trocar todas as dívidas por apenas uma, de longo prazo.


Quais são os erros mais comunsque as pessoas cometem na horade tentar se livrar das dívidas?


Um deslize frequente é não incluir tudo o que se deve na estratégia para reequilibrar as finanças. Também são falhas recorrentes: assumir nova dívida sem quitar as demais; voltar a velhos hábitos, continuando a entrar no cheque especial e a pagar o cartão parcelado. Sabe, para quem não controla o total de parcelas existentes na fatura, o cartão de crédito é algo que compromete bastante o orçamento. Sempre se deve monitorar isso e estipular até quanto vai pagar de financiamento ou de cartão de crédito. Afinal, essas despesas geralmente não se referem a coisas prioritárias. Mas é bom ter consciência de que não é tão fácil assim se livrar das contas atrasadas. Do ponto de vista emocional, o endividamento eo consumismo, às vezes, sãouma dependência, que pode ser comparada a outras dependências, como a química. Não importa a situação, todos nós devemos tentar resistir à pressão familiar e social para o consumo, com bom senso, sem deixar, por exemplo, de irao restaurante. Repito: falta as pessoas se programarem para gastos e objetivos futuros.


Mas o cartão de crédito, quando bem utilizado, pode ser um aliado.


Eu concordo com você. O cartão de crédito bem administrado nos dá um poder de consumo violento. Conforme canaliza para o cartãoos pagamentos que podem ser efetuados a crédito, você ainda gera milhagem – a qual oferece uma série de benefícios. Dependendodo caso, vale a pena até ter dois cartões, de bandeiras diferentes, desde que se negocie benefícios para cada um, como descontos na anuidade. Também tem que saber escolher o cartão, preferindo aquele em que a pontuação acumulada é maior e não some com o tempo. Na pandemia, como a gente praticamente não viaja, uma tática é vender a milhagem que está guardada ou usá-la para abater a fatura do cartão de crédito. Algo, sem dúvida, bem melhor do que usar o cheque especial, né?


É incrível como ainda tem genteque recorre ao cheque especial.


Não faz sentido utilizá-lo, pelos juros excessivos. As pessoas têm de aprender a dimensionar as despesas futuras, principalmente ao mudar de contexto familiar: quando deixam de ser solteiras e casam ou vão morar com alguém, quando têm filhos... Quase ninguém se dá a esse trabalho, a maioria da população vai no embalo e prioriza gastos errados. Vejo situações em que a pessoa deixa de pagar escola um pouco mais cara para o filho, alegando que se trata de economia, e se põe a gastar dinheiro com bobagens. No final das contas, não seria melhor investir esse dinheiro na educação do filho? Também há quem reduz o plano médico sem antes ponderar se não seria mais indicado rever o seu orçamento, eliminando contas desnecessárias, e mudar a declaração do Imposto de Renda para o modelo completo, que disponibiliza uma devolução do valor gasto com o plano médico.


FAMÍLIA O que é mais importante os pais praticarem na educação financeira dos filhos?


Primeiro, eles devem mostrar queo dinheiro vem do nosso trabalho, do nosso empenho, e que não podemos comprar tudo de uma vez, que temos de elencar prioridades. Também é importante ensinar o filho que não deve esperar que ninguém lhe dê algo, que precisa conquistar as coisas com seu suor. Quando a criança é pequena, vale começar a dar moedinhas, abrir uma poupança e deixar que observe como o dinheiro depositado vai aumentando aos poucos, para que entenda que não é tão simples assim ter a quantia suficientepara comprar o que se deseja.


Em que os pais mais pecam?


Um erro comum é não dar mesada ou exagerar no valor. A ideia é mostrar que determinadas coisas os pais não vão comprar e que, se a criança quiser, terá de se virar com a mesada. As famílias ainda têm de impor metas – comportamentais ou de performance escolar – para a criança obter algo, como acontece no nosso trabalho. Também se deve mostrar que não importa se você ganha muito ou pouco: o dinheiro, quando mal administrado, acaba.E que a gente não pode se guiar pela condição de vida dos outros, que cada um possui uma realidade.


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