Dia dos Irmãos: Compartilhando a vida

Neste domingo é dia daqueles que dividem a herança genética ou de criação, que brigam e fazem as pazes sem nem perceber

Por: Alcione Herzog  -  05/09/21  -  16:25
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“Minha irmã é minha parte”. A definição da jornalista Camila Guesa, de 34 anos, sobre o sentimento pela mana caçula não se restringe a palavras. Ao falar da recreadora Talita Guesa, 28 anos, são os olhos brilhantes de Camila que comunicam melhor a mensagem. A ligação entre irmãos e irmãs como a de Camila e Talita é tão significativa que ganhou até espaço no calendário nacional. Assim como as figuras da mãe edo pai têm suas datas específicas para homenagens, o Dia dos Irmãos, comemorado neste domingo, está garantido na folhinha para quem gosta de marcar o tempo com rituais e celebrações.


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No caso de Camila e Talita, melhores amigas, a celebração da amizade e do companheirismo acontece cotidianamente, o ano todo. Elas dividem a sociedade de uma empresa especializada em recreação infantil e contam que todo dia é dia de refazer e reforçar o laço fraterno que as une. “A Talita é a pessoa a quem eu confio todas as minhas angústias e com quem divido minhas alegrias. Ela me salvou num momento mais crítico da minha vida, após minha separação, quando entrei em depressão profunda e ela me dava comida na boca”.


A recíproca não poderia ser mais verdadeira. Quem é mãe, sabe: o nascimento de um filho é o momento mais especial da vida. E neste momento tão significativo para Talita, quem lhe deu a mão foi a mana mais velha. “Eu cheguei no hospital para a última consulta do pré-natal, sem saber que estava em trabalho de parto. Não fui preparada para uma internação, mas acabei ficando.


Demorou para o bebê nascer. A equipe já tinha desistido de fazer o parto naquele dia e todos da família tinham saído. Apenas minha irmã ficou. Só então meu bebê quis vir ao mundo. Quem estava lá comigo nesse nosso momento mágico? A madrinha!”, relembra, emocionada, a mãe de primeira viagem.


Foi a tia coruja quem tirou a primeira foto do pequeno Alexandre, nome escolhido em homenagem ao santista Chorão, da Banda Charlie Brown. Futuramente, Talita poderá retribuir a mana, participando também dos planos maternais de Camila. A jornalista e sua esposa estão no processo de fertilização in vitro (FIV) para conceberem o primeiro filho. Talita fará uma ovodoação para o banco de óvulos da clínica. “Ou seja, ela vai doar os óvulos para alguma mulher que precise e, com isso, propiciará um desconto na nossa FIV”, diz Camila.


Os momentos que solidificaram a ligação entre as irmãs foram muitos. Se é verdade que uma imagem fala mais do que mil palavras, por que não uma tatuagem para selar essa união e traduzir de forma permanente o que já está desenhado na alma? Foi esse o pensamento da dupla antes de procurar um estúdio.


Hoje cada irmã exibe no braço uma peça de um quebra-cabeça. Juntas as partes se encaixam e a imagem ganha sentido, assim como acontece na trajetória compartilhada das Guesa. “Minha irmã é tudo pra mim. De fato, ela é minha parte e sou parte dela. Nos complementamos”, diz a caçula.


Não é sempre que essa sintonia entre irmãos floresce e se fortalece. Quando é real, os benefícios são inúmeros diz a Daniele Costa, palestrante e facilitadora em Desenvolvimento Integral Humano.


Ela classifica como de extrema importância a relação entre irmãos e irmãs para o desenvolvimento das crianças. “Nós somos indivíduos sociais. Os relacionamentos interferem diretamente em nossa formação. É no núcleo familiar que o nosso processo de autoconhecimento e desenvolvimento desperta. É onde conhecemos nossas emoções, afetos, desenvolvemos crenças e pontos de vista. E, nesse quesito, a relação entre irmãos é fundamental. Ela forma nossas bases em relação ao olhar o outro”.


A cumplicidade fraternal depende também da forma como os pais conduzem a educação e as relações em casa e as experiências que essas crianças vão tendo no decorrer de seu desenvolvimento como indivíduo. Nem sempre a irmandade é uma realidade positiva entre consanguíneos.


“Muitas vezes esse olhar para o outro se confunde com sentimentos que carregamos e desenvolvemos e, que se não forem vistos de forma consciente, podem tornar a relação entre irmãos tóxica e mal resolvida. Mas, sem dúvida, de forma geral, uma criança que possui irmãos tem outro olhar a respeito do que é generosidade e afetividade”, avalia a Daniela. Crescer em uma família com dois ou mais filhos, pode trazer bons frutos para a saúde mental em outras fases, como a etapa aduta, a adolescência e a maturidade.


Pertencimento
Segundo a especialista, na fase de formação de caráter, o indivíduo desenvolve melhor a noção de pertencimento na relação de irmãos. “Existe uma consciência de casa, de núcleo. Faz diferença saber que não ele não está só na forma de ver o mundo. Aprimora inclusive os pontos de vista sobre o que é solidão e o que é solitude. Isso se reflete depois de adulto”.


A neurocientista infantil Paula Girotto explica que as interações entre os irmãos são caracterizadas por uma gama variada de emoções positivas, negativas e ambivalentes. Podem proporcionar empatia, rivalidade, cumplicidade, compaixão, ciúmes, sensação de controle e de poder, dentre outros sentimentos. Essa colcha de sensações é rica porque se define pela intimidade, pela cumplicidadee por experiências únicas, já que as crianças passam um tempo considerável brincando e interagindo entre si.


“Elas acabam se conhecendo e percebendo quando estão bem ou não. Assim, são capazes de entender e de identificar o que lhes incomoda ou não lhes agrada, até mesmo quando estão se divertindo. Logo, conseguem proporcionar companhia e um apoio emocional, mesmo que não percebam isso nítida e conscientemente”, explica a cientista em seu artigo.


Ao apresentarem diferenças individuais que, ao mesmo tempo em que se completam, fazem com que se destaquem das demais relações, os irmãos aprendem a respeitar essas características particulares não só entre si, mas entre as demais crianças. “A relação favorece um resgate na vida adulta de valores aprendidos e tão praticados, principalmente na infância, como o perdão, a compaixão, a solidariedade, a autonomia, a paciência para ensinar e para aprender, a pensar positivamente etc”.


Esse processo de trocas entre irmãos marcou o empresário César Guimarães, de 40 anos. Ao lembrar de momentos com seu irmão oito anos mais velho, o professor universitário Zwinglio Guimarães, ele conclui: “ele me inspirou na escolha da profissão e talvez nem tenha muita consciência do quanto foi importante. Me fez gostar desse universo da física e da matemática, por conta das muitas vezes em que me levou na Cidade Universitária para conhecer os laboratórios das faculdades de Exatas da USP. Minhas memórias com ele me inspiram até hoje”, conta César, que é proprietário da Materiais Pedagógicos de Matemática. A loja é especializada em produtos escolares que ajudam crianças a se encantarem pelo mundo dos cálculos, como o irmão fez com ele.


Zwinglio também guarda boas recordações da época de universitário, quando o irmão secundarista andava a tiracolo. “Lembro que quando o Cesar ainda estava no segundo grau eu o levei para assistir a um seminário sobre o cozimento do pernil no laboratório em que eu trabalhava na época. O seminário consistiu na apresentação de um modelo teórico seguido de uma parte prática, onde pudemos depois degustar um pernil preparado por um dos professores. Acho que foi nesse dia que o Cesar optou por Física e, mais tarde, por ir trabalhar naquele laboratório".


Cesar seguiu os passos do irmão ao cursar a mesma faculdade e trabalhar nos mesmos laboratórios. O caminho só mudou quando ele entendeu que, diferentemente de Zwinglio, a docência não seria a melhor ferramenta para espalhar sua afinidade pelos números. De qualquer maneira, a relação entre ambos - e também com o terceiro membro da família, Samuel - permanece a melhor possível.


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