Casal deixa emprego, vende casa e cai na estrada para ser elo de ações sociais pelo Brasil

Há dez anos, Eduardo e Iara Xavier largaram tudo para criar o projeto Caçadores de Bons Exemplos

Por: Stevens Standke  -  09/05/21  -  12:27
Atualizado em 10/05/21 - 18:50
    Há dez anos, Eduardo e Iara Xavier largaram tudo para criar o projeto Caçadores de Bons Exemplos
Há dez anos, Eduardo e Iara Xavier largaram tudo para criar o projeto Caçadores de Bons Exemplos   Foto: Leco Reis/Divulgação

O desejo de fazer a diferença levou o casal Eduardo e Iara Xavier, de 52 e 40 anos respectivamente, a deixar seus empregos, vender o seu apartamento na cidade de Divinópolis (MG) e cair na estrada com o projeto criado pelos dois: o Caçadores de Bons Exemplos. A meta dos mineiros? Conhecer de perto ações sociais do Brasil inteiro e contribuir não só com a divulgação dessas causas como conectar os seus responsáveis com pessoas e empresas interessadas em ajudar.


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Hoje, dez anos depois, o casal já percorreu 1,052 milhão de quilômetros e listou 6.428 iniciativas – que podem ser conferidas no site cacadoresdebonsexemplos.com.br e no aplicativo do projeto.


Com quatro livros e um gibi publicados, Eduardo e Iara relembram, a seguir, momentos marcantes e falam das adaptações que fizeram para o Caçadores de Bons Exemplos resistir à pandemia.


INÍCIO


De quem foi a ideia de criar o Caçadores de Bons Exemplos?


Iara Xavier: Partiu de mim, mas nós dois já tínhamos isso dentro do coração. Tudo começou com dois questionamentos muito fortes. O primeiro: “Qual é o sentido da vida? O que estamos fazendo neste mundo: olhamos apenas o nosso próprio umbigo ou praticamos o bem, ajudando pessoas?” O outro questionamento era: “Será que só existem coisas ruins por aí? Onde estão as boas?” Com base nisso, em 2008, a gente decidiu que ia vender o nosso apartamento em Divinópolis para cair na estrada e conviver de perto com quem virou um agente de transformação e está tentando resolver os problemas do mundo. Nós estipulamos, inclusive, a data para iniciarmos essa nossa viagem: 1 de janeiro de 2011.


Eduardo Xavier: Vivemos na estrada desde então. Em 2021, completamos dez anos de projeto. Eu e a Iara estamos juntos há 16 anos e sempre tivemos conversas sobre esse incômodo que nós sentíamos, no nosso interior. Antes do Caçadores de Bons Exemplos, éramos administradores de empresas, em locais diferentes, e por sermos bem unidos, fazíamos todas as refeições juntos.


Nunca tinham se envolvido com nenhuma causa ou entidade?


Eduardo: O máximo era fazer dos nossos aniversários festas solidárias. Nessas ocasiões, costumávamos pedir doações aos convidados, para alguma iniciativa que necessitava de auxílio. Foi a Iara que me incentivou nesse sentido, porque já fazia aniversários solidários antes de nos conhecermos.


Iara: Eu tinha 18 anos na primeira vez que organizei algo assim. Pedi para as pessoas doarem o que tivessem em casa. Achei que ia conseguir uma sacola de contribuições e acabei enchendo um carro. Esse foi o melhor aniversário da minha vida! Como sou festeira, essas celebrações passaram não só a ser solidárias como também começaram a ter temas. Por exemplo: uma vez, a cidade precisava de doação de sangue e pedi para os convidados, além de irem vestidos de vampiro no meu aniversário, entregarem de presente o comprovante de que tinham doado sangue.


Demorou para formatar o projeto?


Iara: Na verdade, evitávamos parar para pensar nos detalhes, porque sabíamos que se fizéssemos isso correríamos o risco de desistir. Apenas definimos que o projeto duraria cinco anos: iniciaria em janeiro de 2011 e iria até dezembro de 2015, para que eu pudesse ter filhos biológicos.


Eduardo: De 2008 até 2010, nós não contamos nada para ninguém, para que nenhum parente ou amigo tivesse como nos desanimar. Aí, em dezembro de 2010, fizemos uma festa de Réveillon para a nossa família e abrimos tudo.


EVOLUÇÃO


Como foi a adaptação à nova rotina na estrada?


Eduardo: Nós começamos com o carro que tínhamos, um Ecosport. Colocamos as nossas roupas em malas e caímos na estrada. Depois, passamos a utilizar uma Hilux. Montávamos em cima dela uma barraca automotiva. Na sequência, usamos uma camper – uma casa de seis metros quadrados, conectada à caminhonete. E há cerca de um ano, estamos com um motorhome, de 28 metros quadrados, que nos proporciona mais conforto. Fomos nos aprimorando com o tempo.


Iara: Quando iniciamos a viagem, o nosso objetivo era mudar o casal, de dentro para fora. Mas, aos poucos, fomos percebendo que estávamos fazendo a diferença nas vidas de outras pessoas. Recebemos e-mail de um garoto que havia tentado se suicidar e que agradecia por a gente, com nosso projeto, ter devolvido para ele a esperança no ser humano. Foi assim que o nosso objetivo principal passou a ser mudar o olhar das pessoas, a forma como elas encaram a vida. A gente, portanto, entendeu que inspirava os outros ao contar histórias como a da margarida que ganhava menos de um salário-mínimo, morava em um barracão de lona e dava um jeito de auxiliar 68 crianças.


Eduardo:Por causa de relatos como esse, as pessoas começaram a ver que os agentes de transformação social costumam ser seres humanos normais, como eu e você. A gente tende a achar que os bons exemplos e os responsáveis por eles são difíceis de se atingir e, por isso, acabamos não fazendo nada para mudar as coisas.


O que aconteceu a seguir?


Iara: Muitas pessoas passaram a nos procurar para saber como poderiam contribuir com projetos sociais e entidades. Devido a isso, tivemos consciência de que aí estava o nosso terceiro e maior objetivo. O que a gente mais faz é conectar a população e as empresas a instituições e iniciativas que precisam de ajuda. Não é nada fácil fazer o bem. Queremos valorizar e motivar quem se propõe a isso a ir adiante. Essa é a razão de estarmos até hoje na estrada.


Eduardo: Geralmente quem se dedica a um projeto social se considera muito só. Essa pessoa ainda costuma achar que o que está fazendo é pouco e que não vai conseguir mudar nada.


Iara: Tudo o que imaginávamos lá atrás foi se modificando com o tempo. Para você ter ideia, a proposta inicial era, de 2011 a 2015, primeiro percorrermos o Brasil e, depois, rodarmos 50 países. Também combinamos que não iríamos fazer pesquisa sobre nenhuma entidade, pois o melhor termômetro social seria deixarmos que as próprias pessoas de cada local nos indicassem os projetos de suas cidades que deveríamos visitar.


O que aconteceu foi que, no quarto ano de Caçadores de Bons Exemplos, nós ainda não tínhamos saído do Brasil; o nosso mapa estava todo riscado de lugares e iniciativas que tínhamos conhecido. Perto de irmos para a rota internacional, o Fantástico exibiu uma retrospectiva da nossa história e recebemos um monte de mensagens de gente dizendo para não deixarmos o País, pois ainda tinha muita coisa a ser mostrada por aqui. Junto a isso, as pessoas enviavam indicações de diversas iniciativas para visitarmos. Eu e o Dudu, portanto, resolvemos que continuaríamos no Brasil e que só pararíamos quando não tivéssemos mais forças físicas e emocionais.


OSCILAÇÕES


O que pega mais na questão emocional?


Iara: Sabe as coisas ruins que as pessoas normalmente veem no noticiário? Nós sentimos isso na pele todo dia. Nos deparamos com gente que disputa comida com os urubus no lixão, com criança estuprada pelo pai etc. É difícil se manter bem emocionalmente diante disso tudo. Certa vez, eu estava mal e uma amiga me disse: “Se fosse fácil fazer o bem, todo mundo faria. E não haveria mais individualismo, escassez, miséria... Portanto, vocês não podem desistir do trabalho que estão realizando”.


Eduardo: Um ex-presidiário e traficante, que montou um projeto que atende crianças em Sorriso (Mato Grosso), porque não queria mais usar a sua inteligência para o mal, falou para a gente que todo dia ele reafirma a sua decisão de seguir no caminho do bem. Para mim, isso foi impactante, pois é o que acontece comigo e com a Iara: diariamente, nós renovamos a nossa decisão de dez anos atrás, de termos o mínimo possível e ajudarmos o máximo possível, mesmo que seja difícil e pensemos diversas vezes em desistir.


Iara: Todos nós temos, no nosso interior, o bem e o mal. O caminho que a gente escolhe trilhar diariamente é o que faz a diferença. Em outras palavras, com o Caçadores de Bons Exemplos, o que queremos é mostrar que todos nós podemos ajudar a mudar a realidade que nos cerca. Como? Agindo para transformar nós mesmos, nossa família, o bairro.


Eduardo: Cada um deve buscar a sua melhor versão. Você não vai mudar a sua cidade, o Brasil e o mundo, mas pode, por exemplo, mudar as pessoas que trabalham na sua empresa ou aquelas que moram no seu prédio.


DINHEIRO


Como fazem para se manter financeiramente?


Iara: Nós não recebemos doações em dinheiro. Como rodamos o País inteiro e conhecemos gente em tudo que é lugar, temos muitos apoiadores espalhados pelos estados, que auxiliam nas nossas necessidades. Por exemplo, uma empresa de Belo Horizonte nos deu um vale-combustível.


O nosso motorhome foi fornecido por outra empresa. Para completar, quase não temos gastos com roupas, pois usamos uniforme, e eu não sou de ir ao salão. Também nunca passamos fome, porque as pessoas costumam nos convidar para comer. Essa é uma forma de acolhimento bem característica do brasileiro. Sempre que acontece algum perrengue, ocorre algo que dá força para superarmos as dificuldades.


Eduardo: Já publicamos quatro livros. Um de fotografia, que tem os seus recursos revertidos para o Fraternidade Sem Fronteiras. Dois e-books, que lançamos agora, durante a pandemia, e que estão disponíveis no nosso site (www.cacadoresdebonsexemplos.com.br). E o livro Caçadores de Bons Exemplos – Em Busca de Brasileiros que Fazem a Diferença, que é o que nos sustenta – com a sua venda. Ainda temos um gibi e fazemos algumas palestras corporativas que são remuneradas.


CORONAVÍRUS


A pandemia modificou a dinâmica do projeto?


Iara: Nós estamos isolados em nosso motorhome, em Minas Gerais, sem viajar. Isso fez com que o nosso trabalho aumentasse 300%, pois criamos um aplicativo e um mapa com geolocalização em nosso site, o que permite que as pessoas identifiquem rapidamente projetos próximos das suas casas para contribuir. Esse mapa traz, além de iniciativas que já visitamos, indicações de ações e entidades para conhecermos no futuro, quando a situação melhorar.


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