Arquiteta fala sobre importância do protagonismo negro em nova temporada do reality 'Decore-se'

Stephanie Ribeiro vê arquitetura e decoração como ferramentas capazes de construir uma sociedade mais justa

Por: Stevens Standke  -  01/08/21  -  13:07
Atualizado em 01/08/21 - 13:58
 Stephanie Ribeiro vê arquitetura e decoração como ferramentas capazes de construir uma sociedade mais justa
Stephanie Ribeiro vê arquitetura e decoração como ferramentas capazes de construir uma sociedade mais justa   Foto: Divulgação

Stephanie Ribeiro enxerga a arquitetura e a decoração como ferramentas capazes de contribuir com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Em paralelo ao trabalho que realiza numa cooperativa de arquitetos da Capital, ela comanda no GNT o Decore-se, programa que terá novidades em sua terceira temporada – que vai estrear no dia 13, às 21h30, e ainda aceita inscrições de interessados em participar dos novos episódios.


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Natural de Araraquara (SP), a arquiteta e apresentadora de 28 anos, na entrevista a seguir, fala também sobre o seu envolvimento com as causas negra e feminista, comenta os dilemas enfrentados pela maioria das pessoas na hora de planejar a decoração da casa e defende a necessidade de mudarmos a nossa relação com esse universo.


A terceira temporada do Decore-se terá novidades?


Estamos caminhando para a retomada do que era o programa anterior (o Decora). Até então, como uma adaptação ao contexto da pandemia, a gente tinha os participantes fazendo tudo, com a minha consultoria remota. Agora, com o avanço da vacinação, estou indo às casas das pessoas, como acontecia no Decora. Por enquanto, apenas na reta final do projeto, para realizar os últimos ajustes, e a entrega do que nós preparamos.


Você vai continuar a ajudar duas famílias por episódio?


Sim. Em alguns programas, é uma loucura; às vezes, chega até a ser superengraçado. Com essa dinâmica, mostramos como a decoração é muito subjetiva, porque, por mais que o tema seja igual, por exemplo sala de estar, as duas famílias que participam do episódio são tão diferentes, que acabamos fazendo duas salas distintas, com o mesmo orçamento e no mesmo prazo. Cada projeto segue uma linha, uma narrativa, com base em quem vai usar aquele espaço. A decoração não tem que ser mais do mesmo, sabe?


O que tem achado de apresentar o programa?


O mais bacana é que a gente encara um verdadeiro desafio para que cada ambiente dê certo e surpreenda as pessoas. Do ponto de vista do trabalho, é algo bem difícil. Quem quiser participar da nova temporada ainda pode se inscrever no nosso site (gnt.globo.com) até o dia 20. Estamos gravando os episódios. Geralmente, escolhemos gente da cidade de São Paulo, até por uma questão de logística. O principal critério de seleção é a história do participante ser boa.


E como é para fazer um episódio do Decore-se?


A produção inicia alguns meses antes. Por exemplo, começamos a preparar em maio os episódios da terceira temporada que já estão gravados. Funciona assim: eu faço o projeto do ambiente, passo para a equipe comprar os itens e, só depois, rodamos o episódio. A gravação leva, em média, uma semana – acontece na segunda, na quarta e no sábado, que é o dia da entrega. O núcleo que me dá suporte para viabilizar cada projeto tem outro arquiteto, designer de interiores, uma motorista e a nossa marida de aluguel, que chamamos de faz tudo, porque ela adapta produtos que compramos e o que mais for necessário. Eu acompanho o processo inteiro. Se a equipe não consegue achar uma peça, vou atrás e, se não encontro o que desejo para comprar, crio algo do jeito que imaginei. Temos procurado bastante coisa em brechós e em bazares. Quando eu estou gravando o Decore-se, dificilmente pego trabalhos paralelos. E quando saio de uma temporada, eu já estou pensando na próxima.


Qual é o maior dilema das pessoas na hora de pensar na decoração da casa?


No programa e no dia a dia de trabalho, reparo que as pessoas têm muito medo de errar. É normal elas acharem que os seus gostos são inadequados e até cafonas. Só que, na verdade, não existe certo ou errado. A arquitetura é para todo mundo e envolve um contexto pessoal, histórico, social, territorial e cultural. Por exemplo: o que é tendência num país asiático pode não funcionar aqui. Tratam-se de realidades diferentes, com climas próprios etc. Não devemos entender a arquitetura como algo massificado. As tendências, às vezes, dão a ideia de que todo mundo precisa seguir o mesmo caminho. Está tudo bem sair dessa narrativa. A decoração de um ambiente, no meu modo de ver, tem de contar a história daquela casa e de quem mora nela, mostrando as coisas pelas quais a pessoa se interessa e assim por diante. Com a pandemia, entendemos que o nosso lar precisa nos conectar com algo, senão vira um lugar que pode, inclusive, afetar a saúde mental.


Algo bacana é que você encara a arquitetura e a decoração como ferramentas que ajudam a construir uma sociedade mais igualitária e justa.


Exatamente. A arquitetura e a decoração não servem apenas para deixar um local bonito; elas contribuem para vivermos bem, e esse é um direito de todos nós. Cada vez mais pessoas de classes sociais mais simples estão se inscrevendo no Decore-se. Portanto, o programa também colabora para o meu processo de compreensão das mais diferentes realidades. E tem o seguinte: você não precisa necessariamente fazer um grande investimento para a sua casa ficar bem decorada. Há recursos simples, baratos e básicos, como inserir almofadas estrategicamente, que mudam a estética do lar e criam espaços com os quais você se conecta e dos quais sente orgulho.


O que recomenda para quem quer se aventurar pela arquitetura?


Procuro mostrar para as pessoas que a decoração, além de ser algo que você pode consumir, é algo que você pode discutir e estudar. Recomendo a leitura não só de revistas e matérias de arquitetura. Até observar os cenários de novelas antigas traz referências; eu faço esse tipo de análise, pois sou apaixonada por entender os processos. É importante treinar o olhar para a decoração. Aprendi isso na faculdade e foi um dos maiores ganhos que tive. Esse treino passa por entender os lugares em que você vive, da rua a espaços privados. Preste atenção do que gosta neles e pense: será que isso funcionaria na minha casa? Como posso levar essa ideia para o meu lar? Existem tantas possibilidades na decoração... Prova é que estou montando um quarto de menina para o Decore-se no qual vou usar lambe-lambe. Tem outro ponto importante: a gente não precisa gostar de uma tendência ou de um recurso de decoração somente porque dizem que é bom e legal. De repente, podemos não nos conectar com aquilo e está tudo bem.


Você é bem envolvida nas causas negra e feminista. Como o universo da arquitetura vem tratando essas questões?


A gente agora vê as pessoas querendo falar sobre isso. Mas ainda não existe uma representatividade significativa. Os grandes escritórios de arquitetura têm uma porcentagem mínima ou quase nenhum arquiteto negro. Houve um avanço com as cotas e as bolsas de estudo, só que, mesmo assim, o processo de inclusão no mercado de trabalho acaba sendo algo complicado e devagar. Para alguém conseguir entrar no meio, nem sempre o fato de ter um bom currículo basta; às vezes, é necessário ter certas pontes e contatos. A representação na arquitetura e na decoração continua sendo muito masculina, cisgênera e branca. No entanto, há centros e debates para incomodar nesse sentido e mostrar que existem outras possibilidades de ser e de estar na profissão.


Como foi no seu caso? Sentiu resistência por ser negra?


Sim, principalmente na faculdade. Foi algo muito difícil e marcante. Para começar, como frequentei a universidade graças a uma bolsa de estudos, já encarei logo de cara as diferenças que existem entre as classes sociais. Aí vieram as questões de gênero, raça... Não foi à toa que já na faculdade passei a me posicionar como feminista negra. Costumo conversar com estudantes negros e eles têm um temor em comum: será que vão conseguir concluir o curso? Reparo que, hoje, por estar à frente do Decore-se, exerço um papel importante, de representação de um contingente de pessoas que estão fazendo Arquitetura e, agora, se veem representadas. No programa, me preocupei em ter uma equipe diversa, com profissionais de todas as narrativas e lugares possíveis. E enquanto criadora de projetos, procuro incluir nos meus trabalhos obras de jovens artistas nacionais.


Quais foram as dificuldades quando você se formou e tentou entrar no mercado?


No início da carreira, precisei trabalhar a minha mente para que eu realmente tivesse confiança no meu potencial. Acho que esse é um fator superimportante quando vamos pensar no lugar dos negros e das mulheres na arquitetura: eles têm de criar a autoconfiança e acreditar no valor do que produzem. Hoje, integro um coletivo de arquitetos e a gente geralmente faz projetos de consultoria e trabalhos para marcas. Eu e alguns colegas de faculdade montamos esse grupo com a ideia principal de podermos desenvolver trabalhos que contemplam pontos de interesse que não necessariamente são associados ao arquiteto, mas que ele pode fazer, pois têm a ver com a sua formação. Por exemplo: criar móveis, estampas, azulejos, desenhar joias, logomarcas... O arquiteto é um profissional múltiplo. Eu gosto bastante de fazer linhas de produtos. Estou para lançar uma e negociando outra. Também quero investir em móveis com a minha assinatura, porque acabo desenhando parte do mobiliário que você vê nos episódios do Decore-se.


O que mais está no seu radar?


Amo falar sobre arquitetura com estudantes. Quando a pandemia estiver sob controle, pretendo voltar a ir até as escolas, conversar com os jovens, porque é muito importante que as pessoas estudem e se interessem por arte e cultura, ainda mais quando elas vêm de classes sociais mais baixas. Me identifico demais com isso, por conta da minha origem.


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