A ideia era oferecer a prática de esportes para crianças e adolescentes assistidos na Casa da Esperança. A entidade atende cerca de 500 crianças com deficiências múltiplas de famílias carentes em Cubatão. Mas as aulas de caratê ganharam significado maior e viraram uma terapia para eles na volta ao atendimento presencial neste ano.
Em uma hora, a língua predominante na sala é o japonês. Contar até dez e repetir o nome dos golpes estimulou a curiosidade. Tem criança que adotou um caderno para anotar palavras japonesas e pensa, até, em viajar para a Terra do Sol Nascente, conta a assistente social Fernanda Braga, de 40 anos.
“O objetivo era melhorar a qualidade de vida deles. Muitos estavam acima do peso por causa da pandemia. Mas o retorno está sendo muito melhor do que a gente imaginava.”
O curso é o queridinho na entidade, apesar das dificuldades, pois muitos nem quimono têm. Alguns ganharam o acessório após doação. São 130 crianças e adolescentes na atividade. As aulas, que ocorreriam uma vez na semana, se repetem mais vezes.
O professor Ademir Rodrigues dos Santos, de 40 anos, é o responsável pela repercussão do esporte e virou o mestre e ídolo da garotada — motivo de orgulho para ele. “De maneira nenhuma enxergo isso como ego. Vejo como uma responsabilidade. Faz com que eu monitore ainda mais atos e palavras dentro e fora da instituição, porque sei que tem alguém que vai copiar.”
Ele chegou em maio com a missão de ser professor de Educação Física. O foco era incentivar atividade física que também auxiliasse nas terapias desenvolvidas na Casa da Esperança. Daí, entrou em cena o caratê, e o ritual das aulas e os movimentos dos golpes conquistaram os alunos e apresentaram resultados positivos, “Digo que não trabalho com pessoas com deficiência, porque o meu foco é o movimento e, se o corpo se movimenta, eu não tenho deficiência. É com esse intuito que trabalho, de igual para igual.”
A pediatra Regina Maria Catucci Gikas também ressalta a importância do esporte. “O exercício é benéfico em qualquer modalidade. Tem a pandemia, e eles engordaram. Há outras questões importantes para nossas crianças, que são treinos de equilíbrio, de postura corporal.”
Fim da Aposentadoria
Ademir Santos havia deixado o caratê há mais de 15 anos, mas retomou os treinamentos por causa dos alunos. “Não imaginava que fosse dar certo e em tão pouco tempo. Voltei a treinar para dar o melhor a eles. O caratê, quando bem aplicado, muda vidas.”
Os Ganhos
A aula de caratê virou um compromisso firme para Felipe Evangelista da Purificação, de 12 anos. Tanto que ele, agora, quer aprender japonês. Só contar até dez e saber de cor os nomes dos golpes aprendidos em sala não são suficientes para o garoto, conta a mãe, Ana Paula Evangelista Matos, de 39 anos.
Felipe é autista e, segundo ela, apesar de curto, o período dedicado ao novo esporte já apresentou resultados. “Ele se desenvolveu muito neste ano. Está falando bastante e interagindo mais com as pessoas. A coordenação também melhorou muito.”
Com autismo leve, Anny Isabelle da Silva Nascimento, de 11 anos, era considerada muito tímida, de acordo com o pai, Ezequiel Nascimento, de 40. Mas, com a prática do caratê, a situação tem se revertido. “Ela interage mais com as pessoas. Está com mais disciplina. Espero que ela se desenvolva cada vez mais. Os pais querem sempre preparar o filho para o mundo.”
Além de estimular mais interação pessoal, o esporte também tem ajudado a deixá-la mais independente. “Antes, ela era mais receosa. Agora, toma mais iniciativas. Faz a lição sozinha, se prepara para ir para a escola. As aulas estão fazendo toda a diferença em casa e na vida dela”, explica o pai.
A dona de casa Sara Silva dos Santos, de 33 anos, leva a filha, Maria Eduarda, de 13 anos, à Casa da Esperança desde que a adolescente tinha 4. A menina tem autismo, paralisia cerebral leve e TDH.
A entidade tem sido fundamental para o desenvolvimento dela, de acordo com a mãe. Mas, desde o início das aulas de caratê, o desenvolvimento de Maria Eduarda deu um salto. “Ela não falta à aula de jeito nenhum. Em casa, apresenta mais responsabilidade com as atividades, mesmo com suas limitações. Está mais independente”. Para Sara, a nova atividade representa mais uma nova esperança para auxiliar no desenvolvimento da filha. “Ela é minha joia. Faço de tudo por ela”, diz, emocionada.