Agir mais e melhor para quem vive nas ruas

O que não falta nas legislações, ou seja, no papel, são medidas para atender esta população extremamente vulnerável

Por: Rosana Valle  -  24/10/21  -  06:42
 Agir mais e melhor para quem vive nas ruas
Agir mais e melhor para quem vive nas ruas   Foto: Matheus Tagé/AT

As pessoas nos perguntam, quase todos os dias, por que não se resolve o problema da população em situação de rua no Brasil? Nas ruas de São Paulo, nas grandes capitais e até em cidades médias vemos, todos os dias, centenas de pessoas dormindo nas ruas, consumindo drogas, muitas delas visivelmente doentes, com fome.


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Há projetos sociais, públicos, privados, de ONGs, que dão alimentos, assistência e tentam convencê-las a sair das ruas, terem outra vida, deixarem as drogas. Mas as pessoas afirmam, com razão, que todo este esforço é insuficiente.


Ouvimos de leigos e também, confidencialmente, dos envolvidos nestas ações, que a legislação que visa proteger a população de rua acaba criando um empecilho justamente para os que enfrentam este desafio diariamente.


A leitura pontual e descontextualizada de artigos e parágrafos do Decreto n.7.053, de 2009, que instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua, ou mesmo da Resolução 40, de 13 de outubro de 2020, tem dado margem ao entendimento distorcido de que pouco ou mesmo nada pode ser feito.


Vejamos, por exemplo, o parágrafo segundo do Artigo 15: “É vedada a coação da pessoa em situação de rua por agente público/a para aceitar atendimento em qualquer dos serviços, devendo ser garantida a liberdade de escolha da pessoa em situação de rua.”


Ou ainda o Art. 32: “A remoção justificada do espaço público e privado só deverá ser feita com a garantia de moradia adequada.” E seu parágrafo único: “A retirada forçada e posterior destinação da área para outros fins públicos ou privados caracteriza violação de direitos humanos, dando ensejo à reparação pela privação sofrida.”


Há o Artigo 61: “Os/as agentes de segurança pública devem preservar o domicílio improvisado da pessoa em situação de rua, respeitando a sua inviolabilidade e privacidade.”


O Artigo 64: “A situação de rua por si só não configura fundada suspeita para justificar a abordagem e busca pessoal.” Ou o Artigo 24: “O domicílio improvisado da pessoa em situação de rua é equiparado à moradia para garantia de sua inviolabilidade.”


Embora estes e outros aspectos da legislação deem margem a interpretações distorcidas, vale lembrar que toda a proteção legal à população de rua começa na Constituição Federal, a partir do princípio e da ideia do “mínimo existencial”. Ou seja, na responsabilidade de o Estado prover saúde, educação, habitação, proteção à família e assistência social.


O que não falta nas legislações, ou seja, no papel, são medidas para atender esta população extremamente vulnerável. Se não tivermos a coragem de agir parece que estamos cedendo a um aparente estado de coisas de que nada pode ser feito, que uma lei contradiz a outra e que a imobilidade e a omissão estariam cínica e cruelmente justificadas.


Pedi um estudo ao corpo jurídico da Câmara Federal que aponte no que podemos aprimorar estas ações de abordagem, ao menos às pessoas que estão doentes nas ruas e que, mesmo que não aceitem ser removidas para tratamento, que o Poder Público possa levá-las às unidades de saúde para salvar suas vidas.


Há consultórios de rua, adotados em algumas cidades, que preveem que médicos possam ir ao local onde estão estas populações e, a partir da constatação de que se trata de um caso grave de doença, autorizam a remoção, para o efetivo tratamento para salvar vidas.


Na prática, porém, estas ações não são tão simples assim. Mas precisamos torná-las mais efetivas, ao menos para garantir o atendimento aos casos mais extremos, como se todos não fossem, sem ferir a legislação em vigor.


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