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Ronaldo Vaio

O vendedor de pães e a menina da poesia

Era uma vez um vendedor de pães de uma cidadezinha inexpressiva

Ronaldo Abreu Vaio

2 de maio de 2025 às 11:33Modificado em 2 de maio de 2025 às 11:34
(FreePik)

(FreePik)

Era uma vez um vendedor de pães de uma cidadezinha inexpressiva, incrustada entre Incertolândia e Lugaralgum. Todo dia, quando o sol dava o ar da graça por sobre a serra, o vendedor de pães montava a sua barraquinha de madeira na avenida principal da cidadezinha. Os inexpressivenses, pois é assim que desde sempre se chama quem nasce em uma cidadezinha inexpressiva, sabiam que ele estaria na avenida quando passassem, pois o vendedor de pães ali já estava antes de muitos deles nascerem e lá continuou depois de muitos deles morrerem. Havia alimentado sucessivas gerações inexpressivas com seus pães sovados ou fermentados, cheios de vento ou recheados, doces ou salgados, mas sempre corretos de tão bem feitinhos. Era um patrimônio da cidadezinha, cultuado e festejado por toda a inexpressividade ao redor.

Um dia, uma menina desconhecida se aproximou da barraquinha e apontou um pão. O vendedor atendia ao pedido, quando a menina disse: “Eu não tenho dinheiro”. O vendedor de pães estancou, a broa de milho suspensa no ar. “E como você quer um pão se não tem dinheiro?”. A menina: “Eu faço poesia”. O vendedor de pães coçou a cabeça: “Deixa eu ver”. A menina tirou um papelzinho da bolsa, desdobrou-o e entregou ao vendedor. Ele olhou o papel, sorriu e estendeu à menina a broa de milho.

No dia seguinte ela voltou. Tirou um papelzinho da bolsa, entregou, o vendedor pegou, sorriu e lhe deu um pão. E assim foi no outro dia. E no outro. E no outro ainda. A menina contou que viajava de cidadezinha em cidadezinha, algumas mais inexpressivas do que outras. Viajava de poesia: o vento acolhia, retirava-lhe o chão de sob os pés, os caminhos tornavam-se mais curtos deslizando pelas nuvens. Não havia sol, lua ou estrela cujo brilho lhe dissesse menos do riso das gentes, da dança dos campos no trigo, do fundo útero das grutas na terra.

A amizade entre o vendedor de pães e a menina que fazia poemas não passou despercebida aos inexpressivenses. Eles torceram o nariz à proximidade entre ambos. O vendedor de pães parecia distante, alheio, mas estranhamente feliz, o que irritava os habitantes da cidadezinha. Alguns inexpressivenses resolveram então averiguar o que ocorria. Postaram-se desde cedo ao lado da barraca de pães. A menina chegou, abriu a bolsa, retirou o papel e o ritual de todo dia se concretizou. “Você está dando pão de graça?”, perguntou um dos inexpressivenses. “Ela paga em poesia”. “Que poesia?”.

“Aqui”, ergueu o papel aos olhos do inexpressivense. “Mas está em branco!”. O vendedor de pães deu de ombros: um dia entenderiam. Quanto à menina, subiu ao céu em uma inesperada rajada de vento. Enquanto ascendia, migalhas de pão-poema soltavam-se de suas mãos, como uma brilhante chuva dourada, sobre as cabeças inexpressivas.

Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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