Rafael Motta: Ainda que as respostas incomodem

Como você já ouviu, amigo não é quem bajula, mas quem avisa

Por: Rafael Motta  -  10/11/23  -  06:45
  Foto: FreePik

“Conversando, a gente se entende”. Não mais. Aliás, nem sequer se conversa. O fechamento à possibilidade de diálogo não acontece por falta de argumentos, mas por conveniência. Há momentos em que surge uma pergunta crucial: “E se?”. É uma questão legítima. Busca evitar a continuidade do irracional, do descabido, do que pode pôr em risco a vida. Pois, quando se é conveniente, acusa-se o questionador de estar contra o óbvio, de ser violento, de agir pelo mal.


Tem sido assim no Brasil. A vida nacional, agitada por mentiras, cretinices e falsidades criminosas até mesmo sobre o ato fundamental de se vacinar para não morrer de doenças evitáveis e curáveis, ficou dividida. Apela-se para falácias (por exemplo: quem critica o presidente não é patriota), para ameaças (os opositores não são gente e, portanto, não merecem consideração), para o divino e o profano (se está contra nós, não está com o divino. Portanto, que vá para os quintos da profanação).


Agora, há um mês, o ataque do Hamas a Israel e a reação deste país às agressões revelam que não é uma exclusividade brasileira o fenômeno de rejeitar o diálogo — pois chamar a atenção para o que é discutível e propor uma conversa seriam coisas de quem deve ficar silenciado, pelo suposto bem de todos. Até dia 6, conforme levantamento da BBC com as duas partes na guerra e a ONU, haviam morrido 10.163 palestinos (dos quais 10.022 na Faixa de Gaza) e 1.400 israelenses.


Eis algumas possíveis questões, para as quais a resposta razoável seria cessar fogo ou usar serviços de inteligência que se diz ter para direcionar a perseguição aos terroristas: não é desproporcional que tenham morrido sete vezes mais pessoas de um lado do conflito do que de outro? É adequado supor que todos os mortos do lado palestino fossem terroristas? O que o governo israelense sugere (ocupar Gaza, onde vivem 2,4 milhões de pessoas) é aceitável ou seria nada além de uma invasão?


No entanto, exercendo o fenômeno da negação do diálogo ou da recusa a perguntas, há quem acuse os questionadores de antissemitismo. É como se quem indagasse fosse hostil ou preconceituoso em relação aos judeus (Israel). Ora, claro que não. Indagações nascem de dúvidas, e as questões que costumam incomodar são as que têm respostas evidentes que, a todo custo, se quer negar, por conveniência. São o rei cuja roupa só os ‘inteligentes’ podem ver, mas que, na verdade, está nu.


Voltando ao Brasil, faz sentido privatizar uma Sabesp lucrativa para deixar a água nas mãos de particulares, que cobrarão a tarifa que desejarem, por falta de concorrência? Por que votar em políticos que, no meio do mandato, concorrem a outro cargo? É bom um parlamentar atender o desejo do Executivo e deixar o Legislativo para se mudar ao primeiro escalão de um Governo? Por que uma Câmara Municipal se julga detentora de qualificação moral para condecorar alguém ou, ainda, por que se preocupa em distribuir medalhas e diplomas numa cidade com palafitas?


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