O risco de entrarmos pelo cano

A Sabesp teve lucro líquido de R$ 3,12 bilhões no ano passado

Por: Rafael Motta  -  15/09/23  -  06:36
  Foto: Divulgação

A Sabesp teve lucro líquido de R$ 3,12 bilhões no ano passado. Balanço oficial da empresa de água e esgoto mostra que essa cifra aumentou 35,4% na comparação com 2021. Os ganhos da companhia continuam crescendo — e, por tabela, do Estado (detentor de 50,3% das ações dela) e dos acionistas privados. No primeiro semestre deste ano, a lucratividade alcançou R$ 1,490 bilhão, ante R$ 1,398 bilhão entre janeiro e junho de 2022.


Apenas com base nesses números, pode-se dizer que privatizar a Sabesp é desnecessário. Por ser uma empresa que lida com água, bem fundamental à vida, deixar esse produto de modo majoritário nas mãos de particulares que visam especialmente ao lucro contraria o interesse público.


Uma coisa é conceder rodovias à iniciativa privada. Quando isso ocorre, é tão cristalino quanto as mais puras fontes de captação de água mineral que as tarifas de pedágio sobem. Mas há melhorias na malha rodoviária porque quase sempre as pistas eram problemáticas, pelo menos no que se referia ao Estado de São Paulo.


Nos sistemas de captação e distribuição de água e de coleta e tratamento de esgoto, parte das chamadas “perdas de água” na Baixada Santista é com ligações clandestinas. Esses ‘gatos’ estão, em especial, em áreas como as de favelas, onde não há regularização fundiária e a Sabesp alega não poder entrar por se tratar de regiões irregulares.


Abordando esse assunto, o atual diretor-presidente da empresa, André Salcedo, disse ao jornal Folha de S.Paulo de segunda-feira que “uma conexão nova que a gente faz, mesmo em área vulnerável, é para uma pessoa que já está usando água”. E, “se você conecta a família, ela entende o valor que aquilo tem”.


Então, a “conexão nova” é possível, mas sem necessidade de vender a Sabesp. Bastaria à União, ao Estado e aos municípios regularizar ocupações antigas, consolidadas e que não deixarão de existir. Daí, a empresa levaria água, com o acréscimo da coleta e do tratamento de resíduos, para essas comunidades.


Em uma empresa majoritariamente estatal, parte do lucro se volta para investimentos e para a cobertura da eventual inadimplência de clientes, que é de se esperar em regiões com submoradias onde vivem cidadãos pobres. Em uma companhia particular, o lucro é intocável: para compensar consumidores em atraso, cobra-se uma tarifa maior de quem pode pagar. Só por isso, a promessa de contas mais baratas após a privatização entra pelo cano.


Aos prefeitos da região que, na segunda-feira, atenderam um chamado do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para ouvir que o Estado quer vender a companhia e tudo será bom, mais do que “bons olhos”, pede-se senso crítico. Ainda que se diga que os contratos entre Sabesp e prefeituras serão ajustados, é preciso pressão política local para que a venda da empresa seja atrelada ao cumprimento desses acordos.


Entre o que se promete e o que pode acontecer, há dimensões mais amplas que as do Túnel Santa Terezinha-Voturuá, entre Santos e São Vicente, o maior reservatório de água da América Latina.


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