
(Freepik)
Um viajante do tempo surge em meados da década de 1990. Ele caminha por um shopping movimentado, analisando as pessoas. As lojas estão cheias. Na praça de alimentação, nota um menino concentrado em um pequeno aparelho eletrônico. Embora o lugar seja ensurdecedor, o garoto continua imerso na pequena tela.
Ele brincava com um Tamagotchi – o bichinho virtual, como era chamado. Através do aparato, o menino era responsável por cuidar de um pequeno ser vivo digital. Por ser uma estrutura gamificada, ele respondia ao chamado da máquina. É preciso atender às necessidades do bichinho, caso contrário, a criatura morre. No entanto, a experiência – que foi uma tendência naquele período – se limitava ao espaço virtual do aparelho. O viajante fez anotações e se despedia da última década do século 20.
Ele gira os botões de um estranho relógio e salta mais de vinte anos para frente. Agora, ele anda pela calçada de uma avenida movimentada. Observa atentamente as pessoas pela rua, os carros, o ruído das buzinas, os semáforos, e o trânsito que se intensifica. Um detalhe chama a atenção: uma multidão se amontoa em uma praça; todos com celulares, caminhando em círculos, desviando uns dos outros. Ele acha estranho e se aproxima para verificar. Descobre que está em 2016, na febre do Pokémon Go. Um aplicativo que revolucionou a vivência de jogo, dissolvendo a linha tênue entre ficção e realidade. Uma evolução do processo que viu anos antes com os Tamagotchis.
Agora, a percepção do mundo virtual saltava da tela e passava a ocupar o espaço limítrofe da realidade. Uma dimensão hiper-real tomava forma por meio da interface do aparelho celular, uma fissura entre o mundo concreto e o imaginário. As redes sociais se consolidavam. Ele buscava respostas, mas percebia um estranho culto à distração.
Então, outro salto temporal. Como quem muda de canal, ele chega a 2025. Depois de uma pandemia e anos de crise política, ele surge em um posto de saúde. Uma mulher brigava com os profissionais, pedindo que aplicassem uma vacina em seu bebê. No entanto, era uma boneca muito parecida com uma criança – uma bebê reborn. Uma cena bizarra. Com o celular nas mãos, a mulher não queria a vacina, mas sim um vídeo da vacina. Uma dose de engajamento com a postagem nas redes sociais. Simulações.
Dali em diante, descobre outras novidades. Na dinâmica cada vez mais incompreensível das redes, encontrou sujeitos que pagam fortunas para subir montanhas com gurus motivacionais; pastores mirins que prometem curar doenças com a força da fé; influenciadores que convencem pessoas a gastar todo o dinheiro em aplicativos de apostas; fake news e realidades paralelas. O viajante, então, decide retornar. A realidade absurda refletia o futuro distópico. Conhecendo o passado, entendeu as origens de sua realidade pós-apocalíptica. Agora, se sentia atormentado por saber demais. O futuro é logo ali. Boa semana!