
(Reprodução)
Na infância, escutei o álbum Antônio Brasileiro, de 1994. A capa mostrava um homem, de camisa branca e óculos no bolso, acendendo um charuto. A sonoridade me chamou a atenção. Minha mãe, pianista, me esclareceu que era música popular brasileira e trazia hibridismos de samba e bossa nova. Encantado pela faixa O Samba de Maria Luiza, tive a certeza do nome da minha filha, que só nasceria duas décadas depois.
Este mês de dezembro marca os 30 anos da morte de um dos maiores gênios da música brasileira. Tom Jobim é o compositor da mata atlântica e dos passarinhos – algo que fica evidente no piano-pássaro de Águas de Março. Em sua obra, está o gosto pela terra, mar e céu: temáticas ecológicas tratadas antes mesmo da emergência global. A música Dindi, afinal, não é o nome de uma mulher, como se imagina, mas, sim, a natureza.
A exuberância harmônica traz influências de Debussy, Ravel, Chopin, Cole Porter, Ary Barroso e Villa-Lobos. Nessa dinâmica entre erudito e cotidiano, falou sobre o amor e a vida. Dominou a percepção das infinitas nuances que uma única nota é capaz de causar sobre cada acorde. Sua estética sonora desliza cromaticamente, provocando dissonâncias e flexibilizações. Na dimensão jobiniana, um acorde nunca é apenas um acorde. As variações de harmonia dançam livres, criando perspectivas e intenções diversas para envolver a essência da melodia perfeita.
Como maestro soberano da música brasileira, regeu uma orquestra de notáveis. Vinicius de Moraes, Elis Regina, Chico Buarque, João Gilberto, Dorival Caymmi, Frank Sinatra, Gal Costa, Astrud Gilberto, Milton Nascimento e Roberto Carlos, para citar apenas alguns nomes. Sua obra deve ser redescoberta sempre. Tom Jobim foi arquiteto de um Brasil idealizado e, com ouvido absoluto, traduziu em som a utopia modernista. Concretizou o conceito de ambiência sonora, criando figurativismos musicais, como a cadência das ondas do mar, em Garota de Ipanema; ou na canção Chovendo na Roseira, com Elis, em que um balé de gotas de chuva parece tocar sincopadamente as flores. Especificamente, no verso: “Pétalas de rosa, carregadas pelo vento...”. Ou, ainda, Samba de Uma Nota Só e Desafinado. Convergências entre forma e conteúdo.
A parceria mais famosa foi com Vinicius de Moraes. A sagacidade do poeta levou Tom a melodias infinitas, como Se Todos Fossem Iguais a Você, Insensatez, Chega de Saudade, ou Eu Sei que Vou Te Amar. Esta última canção transformou um comercial de cerveja em um emocionante reencontro, em 1992, exatos 12 anos após a morte de Vinicius.
Diante do vazio de três décadas sem o maestro, me aproprio do verso da música Carta ao Tom 74, que Toquinho e Vinicius lhe dedicaram: “É, meu amigo, só resta uma certeza, é preciso acabar com esta tristeza, é preciso inventar de novo o amor”. O resto é mar. Boa semana!
*Fotojornalista e doutor em Comunicação