
(Pixabay)
Parado no semáforo fechado, sozinho, um homem encara seu reflexo no espelho retrovisor. Ele bagunça o cabelo à procura de fios brancos, e esfrega as mãos no rosto, para verificar as olheiras. A palavra ‘coroa’ se repetia na memória. De repente, entende que envelheceu.
Meia hora antes, às sete da manhã, a caminho da escola, ele estava selecionando músicas no aplicativo de celular, na tentativa de agradar – ou, talvez, influenciar – o gosto musical do filho. “Moleque, presta atenção nessa virada de bateria. O nome desse cara é John Bonham”, explica o pai. O garoto, desinteressado, tira o fone de ouvido um instante, escuta um trecho da música Rock’n’Roll, do Led Zeppelin, e responde meio automático: “Legal, cara”.
Ele coloca os fones novamente e segue escutando suas próprias canções. Parece que as músicas do pai não são tão legais assim. É “música de velho”, como o menino fala. Mas nem sempre é assim. Nos finais de semana, o pai tenta acompanhar o garoto que, aos doze anos, esbanja energia. Eles fazem disputas de basquete, tiros de 25 metros na natação, brincam de boxe e, às vezes, um pouco de futebol no videogame. Mas nada disso faz o pai parecer jovem o suficiente para influenciar o gosto musical do garoto.
Outro dia, enquanto disputavam arremessos de três pontos, em uma competição acirrada de cinco rodadas para cada, houve um empate com três acertos. Na última etapa, o pai arremessou errado e a bola bateu no aro, deixando o jogo livre para o garoto. Na sua vez, o menino errou também. “Empatou, cara. Vamos mais uma então?”, perguntou o jovem. E assim seguiram arremessando cerca de 20 minutos até alguém desempatar. O garoto saiu vitorioso.
Em outra ocasião, no videogame, o pai apelou no futebol. Com a experiência acumulada de consoles antigos, ganhou de lavada. Registrou o placar: Corinthians 4 x 0 Barcelona. “Fica tranquilo, cara. Na próxima, eu jogo com o seu time”, brincou, ironizando a final do Mundial de Clubes de 2011, quando o garoto ainda nem era nascido.
Naquela manhã, na porta da escola, o pai ainda tentou outra música: Panama, do Van Halen. “Escuta essa guitarra, parece de outro planeta”, afirma o pai. Afinal, quem poderia resistir a um solo do Eddie Van Halen? O garoto tira o fone outra vez, escuta um pouco e dispara: “Legal...”.
Parece uma estratégia ruim tentar influenciar o gosto de alguém. O pai pergunta o que ele tem escutado e o garoto conta que estava ouvindo Eminem, um rapper americano. O homem contextualiza que, na época dele, era um personagem recorrente na antiga MTV. Eles chegam na porta da escola.
Os amigos o esperam na entrada. O pai se despede: “Boa aula, bonitão!”. O garoto responde: “Valeu, coroa!”. O homem fica surpreso. Até então, era ‘cara’: de repente, o tempo passou. Boa semana!
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