Terra arrasada

Nos últimos três anos, Santos conviveu intimamente com o rebaixamento, tanto no Campeonato Paulista como no Brasileirão

Por: Marcio Calves  -  10/12/23  -  06:33
Em jogo histórico, Internacional goleou o Santos por 7 a 1 no Campeonato Brasileiro
Em jogo histórico, Internacional goleou o Santos por 7 a 1 no Campeonato Brasileiro   Foto: Divulgação Santos FC

Surpresa não foi. Com isenção, durante quase toda a competição, os sinais foram claros de que a chance de queda era grande. O rebaixamento de outros grandes seguiu praticamente a mesma cartilha: derrotas, troca de técnicos, contratações no desespero e falta de gestão profissional. A derrota para o Fortaleza foi apenas a pá de cal. O Santos rigorosamente abusou da sorte e superou os limites da incompetência. Houve até momentos de pura infantilidade, com alguns acreditando que o Peixe jamais seria rebaixado para a Série B do Campeonato Brasileiro. A resposta era sempre a mesma, com frases como “o Santos é incaível” ou “time grande não cai”. Reações que beiram a ignorância.


E as derrotas e vexames, como no jogo contra o Internacional de Porto Alegre, goleada por 7 a 1, se sucediam. Assim mesmo, na fase final, houve até um esboço de reação, com as surpreendentes vitórias contra Flamengo, Palmeiras, Bahia e Goiás. Resultados rigorosamente improváveis, sem um mínimo de lógica. Serviram como um alento, alimentando o sonho de que era possível evitar o pior. Curiosamente, sob o comando de Marcelo Fernandes, primeiro na condição de interino e na sequência efetivado no cargo. Antes dele passaram muitos, como Lisca Doido, Paulo Turra, uruguaios e argentinos. Puras aventuras, com poucas chances de resultado prático. Alguns duraram pouco mais de um mês. Pura ilusão, inexperiência e até falta de bom senso.


Segundo levantamento recente, em média, o Santos trocou de treinador a cada 21 partidas na atual gestão. Turra durou sete jogos, Ariel Holan esteve em 12 e Lisca em apenas oito. Tentaram até Marcelo Bielsa, conhecido como Loco Bielsa, apelido que ganhou um dia, na Argentina, por ter enfrentado um grupo de torcedores com uma granada na mão. Obviamente, pela situação do time, recusou de pronto. Gradativamente, o Santos foi se apequenando, com sinais claros de pane total, também em termos de contratações de jogadores. Como um tiro no escuro, na expectativa de acertar o alvo num golpe de sorte. Um bom exemplo dessa filosofia no estilo “biruta de aeroporto”, que se move ao sabor do vento, foi a contratação de três jogadores do Água Santa, que rigorosamente nada acrescentaram a Santos. Vale lembrá-los: o lateral Gabriel Inocêncio, o meia Luan Dias e o atacante Bruno Mezenga.


Vieram muitos outros, dando ao Santos pelo menos um título nessa triste temporada: maior elenco do futebol brasileiro, com cerca de 50 atletas. Alguns até referendados por Paulo Roberto Falcão, que como supervisor de futebol foi mais um fracasso. Saiu de fininho, em meio a acusações de assédio sexual no hotel onde morava. O processo foi arquivado a pedido do Ministério Público. Em meio a isso tudo, é importante ressaltar que o período de aventuras e descalabros administrativo não se resume à gestão atual. No triênio anterior, teve impeachment presidencial e, posteriormente, até expulsão do quadro associativo, comprovando que o caminho para a Série B vinha sendo delineado há muito tempo. Nos últimos três anos o Santos conviveu intimamente com o rebaixamento, tanto no Campeonato Paulista como no Brasileiro, assim mesmo ninguém teve sensibilidade para avaliar corretamente os alertas de que a queda era apenas uma questão de tempo.


Agora, não adianta chorar sobre o leite derramado, a flecha disparada, o amigo perdido e os erros cometidos. A única saída é iniciar a reconstrução de um clube que já foi considerado o maior do mundo, o mais conhecido do planeta, o time do Rei. Aliás, parece até que Deus poupou Pelé desse momento trágico, o mais triste da história do Santos, levando-o para o Olimpo, a residência dos deuses, segundo a mitologia grega. Os prejuízos da queda não se resumem à história, à imagem do clube e às ironias dos eternos rivais. As consequências financeiras serão muitas, com redução de cotas de televisão e até de patrocínios, tornando a missão quase impossível.


Mas, não é, pois outros grandes caíram, sofreram e voltaram, com planejamento, profissionalismo e responsabilidade. O Grêmio e o Palmeiras são bons exemplos, bem recentes, por sinal. Obviamente, a prioridade tem que ser a montagem de um time competitivo. A reformulação do elenco exigirá ousadia, criatividade e grande capacidade de avaliação técnica dos novos jogadores. A atual folha salarial é da ordem de R$ 12 milhões, uma das cinco maiores entre os times que disputam a Série A do Brasileirão em 2023.


Segundo matéria veiculada na sexta-feira, o atual presidente não foi ao jogo contra o Fortaleza, não apareceu na Vila Belmiro e até o final da manhã de ontem não foram pagos os salários de funcionários. Houve que ironizasse, lembrando o filme O Piloto Sumiu. Na Série B, a logística é mais complicada e os adversários disputam cada partida como se fosse uma guerra. A última competição mostrou um equilíbrio incrível. Excetuando-se o Vitória, da Bahia, os outros três clubes só garantiram o acesso nas últimas rodadas. Felizmente, ontem houve eleição no Santos, abrindo a possibilidade de um recomeço, de uma nova etapa, de recuperação da terra arrasada.


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