
(Imagem ilustrativa/Pixabay)
José se cansou da vida moderna. Dos compromissos. Do trânsito. Da sirene da ambulância que passa na sua rua. Do equipamento que faz o reconhecimento facial toda vez que vai entrar em seu prédio. José se cansou da internet. Das redes sociais. Das discussões inúteis. Dos julgamentos precipitados. Dos memes. Dos emojis. Das respostas que ele precisa enviar no aplicativo de mensagens para não parecer mal-educado. Dos áudios que recebeu e que deve ouvir.
José se cansou das facilidades que o cercam. Dos aplicativos de banco. Da compra virtual e da ansiosa espera pelo pacote. Ele também se cansou das dezenas de chamadas telefônicas indesejadas. Telemarketing, robôs sem rosto que disparam alôs aleatoriamente, tentativas de golpes praticadas por toda a sorte de malandros virtuais...
O cidadão do século 21, José, se cansou dos gols anulados pelo VAR. Anda muito entediado com a música digital. Como era legal o seu antigo aparelho de som analógico!
José confessou que não suporta mais as reuniões virtuais. Cada um no seu quadrado, esperando educadamente a vez de falar e lacrar diante do chefe.
Até o seu sapato continua novinho. Não gasta mais a sola para ir à rua almoçar. Pede pelo aplicativo. Não fica mais com cheiro de fritura e nem cai na tentação de comer aquela sobremesa repleta de chocolate maldosamente exposta na vitrine.
O nosso amigo José se cansou de procurar uma namorada pelos aplicativos de relacionamentos. Está muito desgostoso com os filtros que deixam todo mundo mais jovem e mais bonito. Aborrecido com os perfis falsos que tentam interagir para levar alguma vantagem. Triste em ver tantas armadilhas para os corações que estão disponíveis para novos amores.
José, no íntimo, reconhece que é chato e que está ultrapassado. Assume a sua nostalgia. E, estranhamente, sente falta das fichas que comprava para ligar do orelhão. Do frio no estômago que sentia toda vez que telefonava para a casa da menina da escola por quem era apaixonado só para ouvir a sua voz e, sem coragem para se identificar, desligar logo em seguida, anestesiado pelo doce alô da garota que fazia suas pernas tremerem.
Lembra com muita saudade da guerra de copos de papelão que a garotada fazia durante as matinês no cinema de sua cidade. Das partidas de gol-caixote e de taco sobre as ruas de lajotas sextavadas.
Ah, José, certamente já te disseram que a vida nem sempre é como nós gostaríamos. Evoluir é preciso. O que passou ficou no passado, já dizia o filósofo Tim Maia. Imagine você, meu amigo, se o homem resolvesse estacionar no tempo e se fechar para qualquer tipo de inovação tecnológica. Ainda estaríamos vivendo como nos períodos remotos da humanidade, despidos de qualquer dignidade ou civilidade.
Acalme-se, José. Amanhã você precisa acordar cedo para ir trabalhar. Programe o despertador do seu aparelho celular para não perder a hora. Não haverá galo cantando na alvorada. Os modernos equipamentos da sua cozinha cuidarão do seu café. E lindas imagens e frases de bom dia inundarão o seu telefone antes mesmo que alguém, de carne e osso, estenda a mão ou te dê um abraço para desejar sorte neste novo dia que começa.
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