Responsabilidade direta e invertida no sistema Ogmo

Se nada mudar, Risco Ogmo e Custo Ogmo seguirão como riscos à estabilidade

Por: Lucas Rênio  -  28/02/23  -  06:56
  Foto: Ilustração: Padron

A criação do sistema Ogmo (Órgão Gestor de Mão de Obra), promovida pela Lei Federal 8.630/1993, completou 30 anos no último sábado. Embora tenha sido instituído para viabilizar um processo de transição na relação capital-trabalho dos portos brasileiros, servindo de “ponte salomônica” entre o abandono de um regime monopolista, com reserva de mercado, e a adoção das regras gerais de contratação aplicáveis aos demais setores privados, o sistema Ogmo atingiu essa marca nada transitória: três décadas!


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Em Portugal, por exemplo, o sistema Ogmop durou aproximadamente dez anos, até que a regra de contratação fosse liberalizada. Os Organismos de Gestão de Mão de Obra Portuária (significado da sigla no país europeu) se converteram, nesse contexto evolutivo, em Empresas de Trabalho Portuário. Algo parecido ocorreu também na Espanha, onde as Sociedades Anônimas de Gestão de Estiva Portuária (Sagep) se transformaram em Centros Portuários de Emprego (CPE).


Passado um período inicial turbulento de resistência e choque cultural, o Ogmo consolidou seu papel institucional como efetivo organizador do trabalho portuário avulso no Brasil. Entretanto, a má aplicação da responsabilidade solidária prevista na Lei dos Portos, tanto a versão de 1993 quanto a publicada em 2013, tem provocado danos ao equilíbrio financeiro e à imagem dos Ogmos.


Nas últimas décadas, uma forte cultura de judicialização tem imposto aos órgãos gestores um grande dispêndio de recursos para gerenciamento e pagamento de ações trabalhistas. É o chamado Custo Ogmo, suportado por terminais e operadores portuários na medida em que esses gastos são repassados às contribuições ordinárias e extraordinárias pagas ao órgão gestor. Além de onerar o gasto com mão de obra avulsa, o Custo Ogmo acaba se somando à geração do Risco Ogmo.


Os referidos conceitos são igualmente preocupantes, mas se diferenciam pelo fato de que o primeiro gera impactos imediatos no custeio do órgão gestor, enquanto o segundo se traduz na formação imprevisível de um passivo para pagamento futuro, em potencial. O Ogmo não pode ser responsabilizado solidariamente em todas as situações nas quais o operador portuário deixar de quitar suas obrigações trabalhistas junto aos trabalhadores portuários avulsos (TPAs), como se houvesse um grupo econômico entre eles.


O Ogmo reveste-se da condição jurídica de associação civil sem fins lucrativos, que não tem qualquer outro interesse ou finalidade além da seleção, treinamento, qualificação e disponibilização de trabalhadores portuários aos operadores e terminais. Não se trata de atividade comercial, não é uma prestação de serviços, não há atividade produtiva que tenha “fim em si mesma”. O Ogmo só deve responder solidariamente pela dívida trabalhista do operador nos casos em que falhou ao desempenhar suas funções legais.


Um exemplo: se recebeu a remuneração do operador, mas não a repassou ao TPA. É interessante observar que o julgamento da Ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5.132, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), reforçou esse conceito limitativo. Até aqui abordamos os detalhes da responsabilidade solidária direta, que consiste simplesmente na condenação solidária do Ogmo por dívidas trabalhistas dos operadores portuários. Mas existe, ainda, a responsabilidade invertida, que se configura quando dívidas deixadas por operadores insolventes/falidos recaem sobre o Ogmo e podem acabar, na prática, voltando-se contra outros operadores e terminais a ele associados.


É claramente ilegal a hipótese de que um operador X responda por dívidas ligadas a requisições feitas pelo operador Y. Afinal, é basilar a regra de que cada tomador de serviços deve responder de modo personalíssimo pelas requisições que efetuou junto ao Ogmo, na exata medida do proveito que obteve com os serviços que lhe foram prestados. Acrescente-se que a solidariedade prevista na Lei Federal 12.815/2013 se materializa do Ogmo para com o operador, e não o contrário.


Na responsabilidade invertida, essa regra é quebrada, pois um operador portuário com saúde financeira acaba arcando com o débito trabalhista de outro operador, cuja inadimplência atingiu o Ogmo por força do Artigo 33, Parágrafo 2o, da Lei 12.815/2013. Na prática, a responsabilidade solidária estará acontecendo do operador para com o Ogmo, de maneira invertida, em clara violação ao que prevê o preceito legal acima mencionado.


A interpretação sistemática, histórica e teleológica das leis de 1993 e 2013 revela que o legislador não objetivou criar um “garantidor de condenações”. Faz-se imprescindível, antes tarde do que nunca, que haja uma releitura sobre a responsabilidade solidária nas reclamações trabalhistas movidas por TPAs. Caso contrário, o Risco Ogmo e o Custo Ogmo continuarão prejudicando a estabilidade do sistema Ogmo pelo período em que ele ainda se fizer necessário.


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