Reforma trabalhista portuária - parte 2

Atividade portuária é peça-chave para o desenvolvimento social e econômico

Por: Lucas Rênio  -  11/10/22  -  05:58
  Foto: Carlos Nogueira/AT

Embora a relação entre capital e trabalho seja vista por alguns como inconciliável, objeto de uma inevitável luta de classes, eu acredito que os interesses de empresários e trabalhadores podem interagir simbioticamente, com possibilidade de harmonização dos interesses de ambos. É sempre válido lembrar, nesse sentido, que o Artigo 1º, Inciso IV, da nossa Constituição Federal coloca em pé de igualdade os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa: ambos são elencados como fundamentos da República.


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No caso do trabalho portuário, essa equalização é ainda mais necessária e desejável, pois há interesse público envolvido. Enquadrada como serviço essencial, de fato e de direito, a atividade portuária é peça-chave para o desenvolvimento social e econômico de países como o Brasil, cujo comércio exterior depende quase que 100% do modal marítimo. Estudos apresentados recentemente pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), esta última em parceria com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), não deixam dúvida quanto à evidência de que o sistema de trabalho portuário brasileiro precisa ser reformado.


Para além dos vícios jurídicos, que passam pela má aplicação do Artigo 3.2 da Convenção OIT 137 (inconvencionalidade) e pela afronta aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade profissional, a relação capital-trabalho nos portos tem sido marcada por barreiras que afetam a elevação da produtividade e encarecem o custo Brasil. Em acórdão do TC 022.534/2019-9, por exemplo, o TCU destacou que a atual Lei dos Portos (12.815/2013) não resolveu “pontos indesejáveis de uma situação de monopólio”.


Analisando a situação específica de um terminal arrendado em 2020 no Porto de Santos, a Corte de Contas destacou que “aproximadamente 1/3 da receita do terminal é destinada a cobrir gastos com mão de obra”, o que corresponde a “63% do Opex e 31% do valor total do contrato (receita bruta total)”. O TCU conclui, na referida decisão, que “desses números é possível se extrair o potencial de redução de custos de operação de um terminal a partir de incrementos na eficiência do trabalho portuário”.


Embora seja irrefutável a constatação de que mudanças precisam ser implantadas, também é inegável a premissa de que o impacto social de uma reforma trabalhista portuária deve ser muito bem calculado. Em Portugal, por exemplo, a reestruturação portuária de 1993 foi planejada conjuntamente por governo, empresários e sindicatos de trabalhadores, por meio de um “pacto de concertação social” que previu, como medida essencial para atenuar os impactos das mudanças no trabalho portuário, o pagamento de indenizações.


No Brasil, a mudança implantada pela Lei Federal 8.630/1993 também incluiu o pagamento de incentivos financeiros em seu pacote de proteção social (na linha, inclusive, do que orienta a OIT na Convenção 137 e na Recomendação 145). O benefício pecuniário não foi, porém, o protagonista no rol de medidas protetivas. Quem ocupou esse papel central de destaque foi o monopólio, a reserva de mercado para contratação. O legislador se inspirou no conceito de prioridade que a Convenção OIT 137 aplica às situações disruptivas de automação e, fechando os olhos para a Constituição Federal (livre iniciativa e liberdade profissional), transformou-o em exclusividade com o claro objetivo de proteger os mais de 60.000 trabalhadores que atuavam como portuários no início da década de 1990.


Portugal, cujo sistema de trabalho portuário é totalmente liberalizado na atualidade, é signatário da Convenção OIT 137, mas não tem reserva de mercado porque a proteção social já foi aplicada de modo eficaz na mudança de regime. A reserva de mercado, eleita pelo legislador brasileiro de 1993 como medida protetiva temporária, num regime de transição, já cumpriu sua função histórica e está atrapalhando o desenvolvimento do sistema portuário brasileiro. Em termos de harmonização das relações sociais, a reserva de mercado para vinculação empregatícia tem pesado desproporcionalmente na relação capital-trabalho.


A necessidade de uma derradeira proteção social aos trabalhadores que compõem o sistema na atualidade é inquestionável, mas isso não deve ocorrer pela via da manutenção da reserva de mercado e sim pela incidência dos seguintes benefícios: indenizações para incentivo ao desligamento e à antecipação de aposentadorias, requalificação para continuidade no trabalho portuário e redirecionamento profissional para outras áreas produtivas, dentro ou fora da logística.


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