Gargalos concorrenciais no trabalho portuário

De fato, a sistemática do trabalho portuário é peça-chave em termos de concorrência e competitividade dos portos

Por: Lucas Rênio  -  08/12/23  -  06:36
Atualizado em 13/12/23 - 22:19
  Foto: Carlos Nogueira/AT

Monopólio: este foi um dos temas mais debatidos durante a tramitação do Projeto de Lei 08/1991 no parlamento brasileiro, processo que levou à edição da Lei 8.630/1993. Àquela altura, a monopolização se revelava em duas frentes principais. A exploração econômica das instalações portuárias em áreas públicas cabia exclusivamente ao Poder Público, através das Companhias Docas (estatais), e o trabalho portuário avulso era contratado somente junto aos Sindicatos, que controlavam soberanamente todas as etapas desse formato de contratação.


Não havia ambiente concorrencial no setor portuário brasileiro, que padecia de um crescente cenário de ostracismo, sucateamento, poluição labor-ambiental e falta de competitividade no cenário internacional. Os anais do Congresso Nacional deixam muito claro que havia uma consciência geral sobre a necessidade, premente, de ressuscitar os portos a partir da quebra desses monopólios. E isso foi feito, ainda que parcialmente.


Se hoje temos um setor portuário pujante, que sustenta o agronegócio e gera desenvolvimento socioeconômico para o País, com geração de empregos e recolhimento de impostos, é porque a monopolização das operações portuárias foi quebrada e o capital privado pôde investir de um modo que o poder público não teria capacidade para fazer.


Quanto ao monopólio no trabalho portuário, personificado na reserva de mercado que fere as liberdades coletivas de contratar (por parte das empresas) e de trabalhar (por parte de milhões de trabalhadores do mercado comum de trabalho), o avanço foi parcial. O sistema de transição criado pela Lei 8.630/1993, que deveria durar poucos anos, já se estende por mais de três décadas. Em Portugal, por exemplo, o sistema OGMOP (que inspirou o sistema Ogmo no Brasil), durou aproximadamente três anos e encerrou um ciclo de transição que se desenrolou por menos de uma década.


A exclusividade, expressão da reserva de mercado que se destinava aos trabalhadores portuários ativos em 1993, para dar-lhes uma proteção especial num momento disruptivo de alteração na sistemática da relação capital-trabalho, continua sendo invocada, de modo completamente errôneo.


É importante destacar que o sentido da exclusividade, o fim para o qual ela se destinava, já se exauriu há muito tempo: servia para assegurar que, com a quebra de monopólio das Cias. Docas, os primeiros empregados dos operadores portuários privados fossem os ex-doqueiros e os avulsos da época sindical, que foram todos reunidos no Ogmo.


O Banco Mundial, em estudos relativos à implantação de reformas estruturantes no setor portuário, destaca que regimes trabalhistas inflexíveis, desatualizados e ineficientes, com restrições de liberdade e competitividade, comumente estão entre as causas do fracasso de um porto em desempenhar um papel apropriado e produtivo no desenvolvimento de sua nação.


É interessante mencionar que Portugal, ao promover uma aguda reforma em seu sistema de trabalho portuário, deixou clara a preocupação de evitar que o desenvolvimento das suas trocas comerciais internacionais ficasse engargalado pelo mau desempenho no quesito mão de obra.


A exposição de motivos do Decreto-Lei 280/1993, que promoveu tal reforma, registrou: “Os interesses da economia nacional reclamam medidas susceptíveis de proporcionarem um acréscimo de eficiência e competitividade dos portos portugueses, designadamente através de reformulação do regime jurídico do trabalho portuário”.


De fato, a sistemática do trabalho portuário é peça-chave em termos de concorrência e competitividade dos portos, e deve ficar livre de engessamentos monopolistas. Na Espanha, as recentes mudanças no regime de trabalho portuário foram objeto de intensa análise por parte da Comissão Nacional dos Mercados e da Competência, órgão público que promove e preserva o bom funcionamento dos mercados, no interesse dos consumidores, garantindo e promovendo a existência de uma concorrência efetiva em todos os setores produtivos, em benefício dos consumidores e usuários em geral.


Um dos principais focos dessa análise concorrencial é a reserva de mercado, que na Espanha foi desconstruída por determinação do Tribunal de Justiça da União Europeia, liberalizando as contratações no trabalho portuário para deixá-lo no mesmo patamar das demais atividades do setor privado.


No Brasil, que precisa debater com seriedade e urgência uma Reforma Trabalhista Portuária, o TCU já destacou que a atual Lei dos Portos, 12.815/2013, não resolveu “pontos indesejáveis de uma situação de monopólio” no trabalho portuário (acórdão do TC 022.534/2019-9, proferido em auditoria operacional).


Relatório da OCDE, elaborado no ano de 2022 em parceria com o Cade, concluiu que se deve “abolir o monopólio do Órgão de Gestão de Mão-de-Obra (Ogmo) sobre o registro e fornecimento de trabalhadores portuários” e o conceito de reserva de mercado como um todo, pois há “dano à concorrência”.


Recentemente a Antaq decidiu que lhe cabe promover a “regulação econômica da atividade de gestão e fornecimento de mão-de-obra portuária pelos Órgãos Gestores de Mão-de-Obra (Ogmo)”.


Enfim, a regulação do trabalho portuário no Brasil precisa ser modificada, para que deixe de ser um gargalo concorrencial.


Tudo sobre:
Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
Ver mais deste colunista
Logo A Tribuna
Newsletter