Evolução tecnológica no trabalho portuário

É necessário planejar com antecedência o futuro dos trabalhadores que estão atualmente no sistema Ogmo

Por: Lucas Rênio  -  16/08/22  -  06:35
Estudos apontam que cerca de 85% das tarefas serão automatizadas nos portos até 2040
Estudos apontam que cerca de 85% das tarefas serão automatizadas nos portos até 2040   Foto: Carlos Nogueira/AT

Desde 1988, em sua redação original, a Constituição Federal prevê que é direito dos trabalhadores a “proteção em face da automação, na forma da lei” (Artigo 7º, inciso XXVII). Em julho deste ano, a Procuradoria-Geral da República acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) apontando que há omissão do Congresso Nacional quanto ao referido tema, pois até hoje não foi editada lei específica no sentido de concretizar a proteção social prevista pela Lei Maior do nosso País. No que se refere ao trabalho portuário, porém, a regulação específica do setor já contém há décadas uma série de previsões ligadas ao tema.


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Inspirada na Convenção 137 e na Recomendação 145, ambas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Lei Federal 8.630/1993 abordou de modo expresso o fenômeno da evolução tecnológica. De modo realista, a Lei de Modernização dos Portos incorporou a mecanização e a automação como realidades inegáveis e de evidente interesse público que, conforme definido pela OIT, “podem beneficiar a economia do país interessado, em geral, e contribuir para elevar o nível de vida” (considerações iniciais da Convenção 137).


Admitiu, racionalmente, a desnecessidade de atuação de trabalhadores portuários nas operações ou etapas operacionais “que, por seus métodos de manipulação, suas características de automação ou mecanização, não requeiram a utilização de mão de obra”. A exemplo do que já era previsto na legislação portuguesa, fonte inegável do sistema de trabalho portuário brasileiro, a referida lei citou casos práticos nos quais é muito evidente a dispensa do trabalho braçal na movimentação de cargas: “mercadorias sólidas e líquidas a granel”.


Quanto às medidas protetivas, o legislador de 1993 seguiu as diretrizes gerais estabelecidas pelas normas da OIT, que elegeram a antecipação de aposentadorias, os planos de desligamento, a readaptação funcional e a vinculação empregatícia como as principais medidas para atenuar os impactos da tecnologia na relação capital-trabalho. Em momento algum a OIT preconiza que são sustentáveis iniciativas destinadas a frear a automação, manter ternos excessivos de trabalhadores, assegurar escalação de trabalhadores que não têm mais função em determinadas operações e/ou insistir em salário-produção para operações que não dependem do esforço humano de determinadas atividades (ou “categorias”) para se desenvolver com maior velocidade.


Na época de Jacinto (o Sansão do cais santista), por exemplo, a força e o ritmo de trabalho dos portuários que carregavam os navios com as suas próprias mãos, movimentando sacarias, eram determinantes para a produtividade. Essa realidade mudou com o advento dos guindastes carregadores de navios, dos shiploaders, que embarcam o granel solto em alta velocidade. Vale destacar que a garantia de renda mínima é prevista como a última saída cabível, apenas se as demais medidas não forem suficientes. Esse benefício, que tem caráter assistencial e ficaria a cargo do Poder Público, só poderia ser exigido do setor privado através de acordo coletivo ou convenção coletiva.


Em linhas gerais, a Lei Federal 12.815/2013 manteve essa gama de disposições que constavam na lei de 1993, revogada. Entretanto, houve retrocesso na questão relativa à antecipação de aposentadorias: ao contrário do que constava na lei 8.630/1993, a de 2013 deixou de prever a aposentadoria como causa de extinção automática da inscrição de trabalhador portuário avulso. Além de estar em desacordo com as normas da OIT, essa modificação gera desequilíbrio na escala rodiziária e diminui as oportunidades de ganho para os trabalhadores ativos que, ao contrário dos aposentados, não têm outra fonte de renda.


Estudos apontam que aproximadamente 27% do trabalho portuário já está automatizado, e que cerca de 85% das tarefas serão automatizadas até 2040. No Brasil, ainda não existem os ghost terminals, que já são realidade na Europa e na Ásia, e a automação não deve avançar de modo tão avassalador em nossos portos num curto prazo, nos próximos anos. Devemos aproveitar esse cenário para fazer aquilo que a Recomendação 145 da OIT orienta: planejar com antecedência o futuro dos trabalhadores que estão atualmente no sistema do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo). Seja para redirecionamento ou atualização profissional, o treinamento é peça-chave nesse processo.


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