A Constituição Federal e o trabalho portuário

Além dos direitos, garantias e obrigações gerais, alguns dispositivos se destacam na relação capital-trabalho nos portos

Por: Lucas Rênio  -  07/10/23  -  06:25
  Foto: Carlos Nogueira/AT/Arquivo

A Constituição Federal completou 35 anos na última quinta-feira (5). Toda e qualquer relação social em nosso País deve ser desenvolvida em conformidade com as diretrizes da Carta Magna. No trabalho portuário, essa lógica não é diferente. Além dos direitos, garantias e obrigações gerais que a Constituição prevê para todos os setores, tanto nas questões individuais quanto nas coletivas e sindicais, alguns dispositivos se destacam no contexto específico da relação capital-trabalho nos portos.


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Faço aqui dois destaques. Um deles se refere à igualdade de direito entre o trabalhador com vínculo empregatício e o trabalhador portuário avulso (TPA), previsto no Artigo 7º, inciso 34. Logicamente que essa isonomia não é formal e integral, mas sim material, com aplicação daquilo que realmente é cabível. É inconcebível, por exemplo, o pagamento de indenização por dispensa sem justa causa ao término de cada turno de trabalho avulso. A multa de 40% do FGTS não é compatível, mas os depósitos do fundo sim: em todos os engajamentos, há recolhimento fundiário e os avulsos contam com essa garantia, que é típica de celetistas. Além disso, o TPA também recebe valores referentes a férias, descanso semanal remunerado e décimo terceiro. Todos esses direitos, previstos na Constituição, se compatibilizam com a sistemática do trabalho avulso.


O segundo destaque, na interface entre o trabalho portuário e a Constituição, fica por conta dos princípios da livre iniciativa (artigos 1º e 170) e da liberdade profissional (Artigo 5º, inciso 13). Nos setores econômicos em geral, as empresas podem contratar livremente seus empregados, de acordo com os melhores critérios. Os terminais e operadores portuários, porém, não possuem esse mesmo direito. Existe uma reserva de mercado que restringe as contratações, privilegiando o grupo restrito de TPAs inscritos nos Ogmos.


Qualquer cidadão pode ter acesso direto às profissões em geral da iniciativa privada: piloto de avião, motorista, engenheiro, médico etc. Essa lógica permeia igualmente os serviços delegados pelo Poder Público à iniciativa privada. Basta que sejam preenchidos requisitos específicos de capacidade técnica e civil. No trabalho portuário, porém, o preenchimento de tais condições não basta para que qualquer cidadão possa acessar as vagas de emprego numa das seis atividades previstas pelo Artigo 40 da Lei 12.815/2013.


A qualificação técnica para exercer a profissão de trabalhador portuário pode, hoje, ser obtida em diversas instituições. Mesmo que um cidadão ou cidadã realize tais cursos e esteja capacitado civil e tecnicamente, o emprego no trabalho portuário não estará diretamente acessível. Em outras palavras, o trabalho portuário com vínculo empregatício não é livre para todos. Apenas alguns milhares de trabalhadores inscritos nos Ogmos, em detrimento de milhões de brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, têm livre acesso às vagas de emprego ofertadas pelos terminais e operadores.


Assim como acontece com a livre iniciativa, a liberdade de profissão fica parcialmente afrontada pelo sistema de “prioridade” e completamente esvaziada se a diretriz adotada for a da “exclusividade” da reserva de mercado. O Ogmo foi criado para controlar, com competência exclusiva e em substituição aos sindicatos, o ingresso, a habilitação, o treinamento e as demais questões atreladas ao trabalho portuário avulso. Na modalidade avulsa, não há dúvida quanto à constitucionalidade do controle quantitativo no acesso ao sistema. Ele é indispensável à racionalização do trabalho avulso, equilibrando a quantidade de TPAs de acordo com a oferta e a demanda de cada porto.


Quanto ao trabalho vinculado, esse tipo de controle quantitativo da mão de obra habilitada não se justifica. Deve ser assegurado a todo e qualquer trabalhador, desde que preencha as condições mínimas para tanto, o direito de se habilitar para concorrer às vagas de emprego nas operações portuárias. No caso da advocacia, há um controle técnico de ingresso na profissão, mas não existe limitação quantitativa. Só no Estado de São Paulo, já existem mais de 500 mil inscrições e o acesso segue aberto por meio de exames durante o ano, permanentemente.


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