Roger Waters, vou sempre agradecer por ter visto

Com cerca de 20 minutos de atraso, o estádio virou do avesso

Por: Julinho Bittencourt  -  15/11/23  -  06:18
  Foto: MARTIN BERNETTI/AFP

Foi indescritível. Todas as dúvidas que poderia ter em assistir a um roqueiro de 80 anos que há basicamente três décadas não emplaca um novo sucesso foram dizimadas nos três primeiros segundos.


Com cerca de 20 minutos de atraso e logo após o já tradicional aviso para que os que não concordam com as opiniões políticas de Roger Waters que “vazem pro bar”, o estádio virou do avesso. Sentado de lado em uma cadeira, ele disparou Comfortably Numb, um dos grandes sucessos do álbum The Wall, do Pink Floyd. E, assim, deu início ao show de sua turnê This is Not a Drill.


Tudo bem, tudo bem. A canção ajuda. Mas tudo o mais foi devastador. Um telão enorme que atravessava o palco de lado a lado projetava imagens de pessoas caminhando por uma longa rua. A pressão da banda que nada deixava a dever a qualquer outra formação anterior (nada mesmo) e a voz intacta do autor, fizeram o resto. Começava ali, na noite de sábado, dia 11, no Allianz Parque, em São Paulo, um dos maiores espetáculos da terra.


Exagero? Nada. Exagero mesmo foi o show. Waters é um dos inventores da modernidade na música pop. Usou e abusou da tecnologia não só na música como também nos concertos, tanto os de sua lendária banda quanto os das suas apresentações solo. A maneira como é colocado o telão deixa a impressão na plateia que se está vendo o show em um local pequeno, um bar ou um teatro para quinhentas pessoas.


O ativismo


Roger e sua banda estão ali, o tempo todo alternados com imagens de agressões, catástrofes, fome, líderes assassinados (o nome de Marielle Franco foi ovacionado quando surgiu) com o motivo abaixo: “ser negro”, “ser palestino” entre outros.


Ele é, com certeza, o único artista do planeta capaz de encher um estádio com 40, 50 mil pessoas e passar todo o tempo cantando e falando apenas de temas contundentes como as guerras, a fome, ativismo político, as mazelas do capitalismo, desequilíbrio mental, entre outros. Ao invés de aborrecido, o público sai do seu espetáculo com uma vontade ainda maior de mudar o planeta.


Waters deu de presente para o público inúmeros sucessos do Pink Floyd alternados com algumas de suas canções mais recentes. Tudo, no entanto, era tão bem executado, planejado e sincronizado entre o cantor, a banda, o telão e até mesmo intervenções de animais infláveis pelo meio da plateia – referência à canção Sheep, do álbum Animals, inspirado livremente na Revolução dos Bichos, de George Orwell – que nada, em momento algum se tornou cansativo.


Muito ao contrário, se é que algo pode ser dito de negativo sobre o espetáculo, é o excesso de informação. Não tantas referências, imagens, sons, enfim, uma explosão de sinais que podem deixar o espectador atônito, com vontade de ver e rever inúmeras vezes.


Ao final, quase como que para provar o contrário de tudo o que disse e fez antes, Waters e sua banda se transformam em um pequeno grupo, que lembra de leve uma banda folclórica irlandesa no estilo dos The Chiefteins, e encerram o espetáculo caminhando em direção aos camarins.


Um anticlímax digno de um espetáculo de tirar o fôlego de qualquer um. Ao fim e ao cabo, vou agradecer pelo resto da vida à minha filha Beatriz por ter comprado o ingresso e me arrastado para ver algo que nunca mais vou esquecer na vida.


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