Desestatização do Porto de Santos: poker aberto ou fechado?

Concessão da Santos Port Authority (SPA) foi debatida no Tribunal de Contas da União (TCU)

Por: Frederico Bussinger  -  02/11/22  -  06:31
  Foto: Pixabay

O tema foi pauta do Tribunal de Contas da União (TCU) no day after do 2º turno. E em duas versões: remota (público interessado) e presencial (restrito grupo de convidados institucionais). Nesta versão, segundo captou a imprensa, a desestatização santista “subiu no telhado” (de São Sebastião e Itajaí também): “Prefeito quer novo governo em debate” (A Tribuna); “Problemas técnicos e políticos inviabilizam desestatização” (Agência Infra); “Com vitória de Lula, ministério e TCU freiam privatização de Santos” (Valor). Já pela versão remota, ela segue em marcha batida até o leilão.


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As autoridades federais (oito presentes) se ativeram a aspectos específicos da documentação disponibilizada no site da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Os demais (seis), além de segurança jurídica e Conselho de Autoridade Portuária (CAP) deliberativo, apresentaram multifacetada e complexa pauta de ponderações, pleitos e propostas. Em síntese:


A Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) se preocupa com o modelo, tanto em relação a riscos concorrências como com a falta de incentivo para as empresas que hoje atuam no Porto. Propõe: i) ampliar de 5% para 15% a participação individual delas nos consórcios; ii) direito de preferência ao “bom arrendatário” nas renovações; iii) “sarrafo mais baixo” para necessidade de aprovações prévia da Antaq e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade); iv) restrições a participação de armadores no STS10; e v) exclusão do túnel Santos-Guarujá da concessão, atribuindo-o a uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) específica.


A Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (ANUT), após detalhada e didática análise da documentação econômico-financeira encaminhada ao TCU, conclui: i) o modelo insere encargos financeiros elevados para os usuários; ii) não resolve os problemas da dragagem no curto prazo; iii) não privilegia a competitividade dos produtos, aumentando custo médio para os usuários; iv) não reduz custo logístico, pois a cadeia do transporte pode se apropriar da redução de tarifas; v) não transfere ganhos de eficiência de custos à carga. Ao final, apresenta um rol de sugestões para neutralizar e/ou mitigar as conclusões pontuadas.


A Associação de Terminais Portuários Privados (ATP) saudou a recentíssima alteração da Poligonal; mas registrou preocupação com riscos à insegurança jurídica em face da “fragilidade” do processo pelo qual elas são definidas. Entende que a recente desestatização da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) não pode ser tomada como benchmarking de modelo tarifário. E, como “cada caso é um caso”, avalia que mais da metade dos 34 portos organizados “não merecem ser concedidos”.


O Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo (Sopesp), reforçando pleito de “comitê de usuários”, conselheiro independente, obrigatoriedade de consulta sobre Regulamento de Exploração do Porto (REP), por exemplo, foi porta-voz de uma ampla pauta de mecanismo que garantam transparência e participação de usuários na governança do porto concedido.


Já o Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave) chama atenção para as incertezas tarifárias e a omissão sobre a transição energética (citando exemplos). Mas tem 2 focos e pleitos: i) empresas presentes no Porto devem ter papel relevante no futuro concessionário; e ii) o aumento de profundidade deve ser antecipado.


Por sua vez, o prefeito de Santos começou registrando contrariedade com o envolvimento tardio da Prefeitura no processo, não escondendo que “não estamos satisfeitos... apesar de alguns pleitos terem sido atendidos”. Foi enfático em relação a: i) CAP-deliberativo; ii) pleito de novo terminal de passageiros; iii) túnel do maciço; e, iv) principalmente, proposta de que sejam vinculados e integralmente reinvestidos, no Porto e/ou infraestrutura conexa (como nas obras antes exemplificadas), os recursos oriundos da (“não arrecadatória”!) desestatização: cerca de R$ 4 bilhões, entre distribuição de dividendos, outorga e prestações.


Em meio a tantas tecnicidades, não passaram despercebidos elegantes contorcionismos; lembrando toureiro espanhol: i) das autoridades: logram enaltecer os resultados da atual gestão e, paralelamente, reafirmar a necessidade de privatização das administrações portuárias; ii) das entidades: demonstram “preocupações”, fazem “ressalvas” e propõem alternativas para pontos basilares do modelo, enquanto explicitam, no mínimo, “não oposição” à desestatização. Vivendo e aprendendo!


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