Succession é obra de ficção, mas compliance se tornou realidade

Conforme qualidade dos programas de compliance aumenta, fica difícil abafar problemas

Por: Flavia Maya  -  06/06/23  -  06:17
Succession é uma série que aborda uma disputa de poder entre membros da família Roy, que buscam suceder o patriarca Logan Roy na presidência da ficcional empresa RoyCo
Succession é uma série que aborda uma disputa de poder entre membros da família Roy, que buscam suceder o patriarca Logan Roy na presidência da ficcional empresa RoyCo   Foto: Divulgação/HBO

Você já deve ter ouvido falar da aclamada série Succession, da HBO. Se você está assistindo, sem problemas, este artigo não contém spoilers. Se ainda não ouviu falar, eu contextualizo. Succession é uma série que aborda uma disputa de poder entre membros da família Roy, que buscam suceder o patriarca Logan Roy na presidência da ficcional empresa RoyCo. A forma como isso acontece é bem shakespeariana, com toques de sarcasmo e crítica social. Eu assisti à série inteira e amei. E logo no primeiro episódio ela já prendeu minha atenção.


Clique, assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe centenas de benefícios!


Em um momento marcante, vemos Logan Roy coagir membros do Conselho de Administração a deliberar em seu favor, em tema de seu interesse. Em uma reunião em que, aliás, ele não deveria estar. Uau. A advogada de compliance em mim ficou absolutamente fascinada (e um pouco apavorada). Daí em diante, a série foi um prato cheio. A cada episódio, eu fazia uma espécie de “bingo” mental das violações que surgiam. Assédio moral! Assédio sexual! Corrupção ativa! Divulgação de informação falsa! Bingo!


É evidente que a RoyCo não foi escrita como uma empresa com um programa de gestão de risco e compliance. Ela é uma caricatura de empresas que nasceram pequenas, até familiares, e que expandiram, se lançaram ao mercado e captaram investimentos - sem, contudo, renunciar a uma cultura agressiva, controladora e antiquada. É quase inacreditável que uma empresa com amplas violações e crimes tivesse capacidade de se sustentar apenas com a confiança dos acionistas na capacidade estratégica do seu presidente. Mas a RoyCo precisava ser construída dessa forma, claro, para que a trama pudesse se desenvolver.


A realidade, contudo, é um pouco mais complicada. Para que uma empresa possa ter suas ações listadas no mercado no Brasil, ela precisa se manter em constante cumprimento de normas que protegem o mercado e o investidor. Essas normas devem ser de conhecimento de toda a corporação, e aplicadas no dia a dia das atividades. Também é preciso que haja gestão de riscos, além de ferramentas de verificação e denúncia, para que erros e desvios sejam tratados. Nós chamamos essa estrutura de compliance.


Além disso, um dos fundamentos dessa regulação é a exigência de divulgação de informações, que permita aos acionistas a tomada de decisão em igualdade de condições. É por isso que empresas com ações no mercado precisam ter instâncias internas, conselhos e comitês, auditoria independente, além de ferramentas que trazem visibilidade para os fluxos de informação e tomada de decisão. Quanto mais transparência, menor o risco de violação. É a isso que chamamos de governança corporativa. Nesse contexto, se a RoyCo fosse uma empresa brasileira, listada no mercado de ações, seria razoável supor que teria problemas.


A divulgação de informações falsas, por exemplo, levaria a processos administrativos sancionadores pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Além disso, o ambiente de constantes agressões, ameaças e assédio moral e sexual, além de conflitar com princípios básicos de ética e humanidade, certamente geraria uma enxurrada de demandas de reparação que impactariam em resultado. A ausência de programas de compliance e as falhas na estrutura de governança afetariam diretamente a avaliação de risco corporativo e para eventuais operações de emissão de valores mobiliários. E tudo isso, claro, impactaria no valor das ações da RoyCo.


Isso não quer dizer que não haja empresas que consigam simular uma boa aparência ao investidor, mas que tenham graves problemas. Porém, conforme a qualidade dos programas de compliance aumenta, fica cada vez mais difícil abafar esses problemas. Succession me prendeu do início ao fim, pela sua produção, atuação primorosa e roteiro impecável. Mas a realidade é que empresas como a RoyCo estão condenadas a ficarem obsoletas. Ou, então, simplesmente ficarão reservadas para obras de ficção e séries de TV.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
Ver mais deste colunista
Logo A Tribuna
Newsletter