Certa vez, trabalhando em uma operação de investimento, recebi um e-mail do potencial investidor com um tom diferente do usual. Em geral cordial e educado, ele assumiu um tom acusatório e pediu esclarecimentos sobre uma informação relevante que teria sido omitida durante a diligência legal. Como advogada da empresa dona do ativo, era minha responsabilidade divulgar as informações ao potencial investidor. E eu jamais omitiria qualquer informação relevante. Teria eu cometido algum erro?
Entramos então em uma conferência telefônica. Como o investidor era estrangeiro, nós falávamos em inglês e sem muitos rodeios ele nos questionou o motivo de termos omitido “diversas autuações graves” deles. A essa altura, contudo, nós já havíamos constatado que nada havia sido omitido. Não fazia sentido. Frustrados, eles subiram o tom, demandando que reapresentássemos todos os documentos da diligência. Eu sabia, porém, que havia um mal-entendido e precisava que eles fossem claros conosco para tudo ser esclarecido.
A reunião se estendia e a conversa dava voltas. Em algum momento, ouvi alguém do nosso lado dizer para sairmos da mesa. Mas eu insisti em um tom cooperativo, para tentar entender de onde surgiu o engano. Foi quando meu interlocutor no telefone finalmente disse do que se tratavam as tais autuações graves. Segundo ele, nós teríamos omitido “diversas autuações relativas a trabalho infantil”.
Nesse momento eu respirei aliviada. Nós não tínhamos autuação de trabalho infantil. Era realmente um engano. Pedi os documentos, mas eles tinham apenas o relatório legal da diligência, elaborado pelos assessores deles. Eles recortaram esse trecho do relatório e nos mandaram. Quando vi do que se tratava, custei a acreditar. Aparentemente, quem escreveu o relatório em inglês traduziu “menor aprendiz” como “underage worker” (o que, na verdade, significaria algo como “trabalhador menor de idade”).
No Brasil, empresas de médio e grande porte precisam ter em seu quadro de funcionários um percentual de menores aprendizes. Caso a empresa não consiga demonstrar esse percentual, ela recebe uma autuação. E foram essas as autuações referenciadas no relatório legal. Não é algo desejável, claro, porém nem de longe tão grave quanto a prática de exploração de trabalho infantil – o que o investidor entendeu quando leu “trabalhadores menores de idade”.
Bem, essa operação acabou não indo para frente por outros motivos. Mas o meu ponto com essa história (infelizmente real) é ilustrar como a comunicação é parte fundamental de uma operação. Nesse exemplo, houve um descuido com a tradução e uma informação inofensiva se transformou em uma bomba que levou algumas horas para ser desarmada. Porém, o inverso também ocorre e informações delicadas precisam ser apresentadas de forma a evitar uma interpretação incorreta.
Essa gestão de informações em uma diligência muitas vezes é negligenciada. Contudo, ela afeta diretamente um elemento crucial de qualquer negócio: a percepção de risco. Uma percepção de risco inadequada pode levar um investidor a demandar mais garantias, a reduzir o desembolso inicial, a alterar as condições financeiras ou até mesmo o valor da operação. Em resumo, percepção de risco equivale a dinheiro na mesa.
Por isso, uma das preocupações fundamentais de uma operação deve ser a comunicação. Organizar o fluxo de documentos, antecipar pontos de atenção e unificar os canais de comunicação são algumas recomendações de ordem prática. Além disso, é fundamental entender o seu interlocutor e estabelecer com ele a premissa da cooperação e transparência – principalmente em momentos de tensão e desentendimento.
Até porque o objetivo final de uma diligência não é omitir ou distorcer informações difíceis. É garantir uma compreensão precisa do ambiente de negócio, de forma que a percepção de risco seja a mais próxima possível da realidade. E que, de preferência, o negócio não se perca na tradução.