Debêntures de Infraestrutura: melhorar o que já é ótimo?

Finalidade é incentivar a compra de títulos voltados ao financiamento de temas considerados críticos pelo Governo

Por: Flavia Maya  -  10/10/23  -  06:14
  Foto: Pixabay

Desde 2011, existem no mercado as chamadas Debêntures Incentivadas de Infraestrutura. Para quem não tem familiaridade, debêntures são títulos de dívida que qualquer sociedade por ações pode emitir no mercado financeiro para a captação de recursos, sem afetar a sua composição acionária.


As chamadas Debêntures Incentivadas, por sua vez, são debêntures que têm atrelado um benefício fiscal do Governo Federal de isenção ou redução do Imposto de Renda do investidor, de forma a incentivar o mercado à compra daquele título.


A finalidade do benefício fiscal, portanto, é incentivar a compra, pelo mercado, de títulos voltados para o financiamento de temas que sejam considerados críticos pelo Governo, dentre eles, a Infraestrutura.


Apesar da sua criação em 2011, e regulamentação em 2013, as Debêntures Incentivadas de Infraestrutura passaram a ser mais amplamente utilizadas em 2018, quando os valores emitidos anualmente saltaram de R$ 9 bilhões para R$ 21,6 bilhões. Hoje, o fluxo de emissão anual está entre R$ 40 bi e R$ 47 bi.


Com isso, o desembolso do BNDES com Infraestrutura, que em 2016 somou R$ 36 bi, frente a cerca de R$ 4 bi em Debêntures Incentivadas, em setembro de 2022 somou cerca de R$ 33 bi no acumulado de 12 meses, versus quase R$ 47 bi em captação via Debêntures Incentivadas no mesmo período.


E o mercado parece ainda longe de se considerar saturado pelo modelo. A oferta encontra demanda crescente, ainda mais com a inclusão de aspectos socioambientais e de sustentabilidade.


O sucesso das emissões se reflete tanto pelo incentivo direto à compra do ativo com benefício fiscal, mas também pelo seu impacto na redução do custo da operação para o emissor. Em suma, todos ganham.


Apesar do contexto já bem-sucedido das debêntures incentivadas de infraestrutura, tramita hoje pelo sistema bicameral legislativo o Projeto de Lei 2.646/2020, que visa a criação das Debêntures de Infraestrutura, com o argumento de ampliar o escopo das atuais debêntures incentivadas de infraestrutura.


A rigor, o texto do PL 2.646/2020 não revoga o sistema já existente pela Lei 12.431/2011, que criou as debêntures incentivadas. A ideia seria criar um modelo de Debênture de Infraestrutura destinado a investidores que não usufruem dos benefícios fiscais do modelo anterior. Para isso, o Projeto de Lei inclui um benefício ao emissor de dedução dos juros pagos ao investidor da base de cálculo de CSSLL e IR, benefício este que o emissor poderia então refletir em um aumento dos juros pagos ao investidor. Por outro lado, o benefício ao investidor deixaria de existir no novo formato, através de um regime progressivo de Imposto de Renda que chegaria a 25%.


Embora matematicamente o raciocínio possa fazer sentido, algumas questões atravessam a proposta.


De início, o texto do PL 2.646/2020 não faz uma distinção clara entre a aplicabilidade dos modelos. Na verdade, o texto da Lei 12.431/2011 se refere às emissoras apenas como “sociedades de propósito específico”, enquanto o PL 2.646/2020 abrangeria concessionárias, permissionárias, autorizatárias e arrendatárias, constituídas como sociedades de propósito específico, bem como suas controladoras. Com isso, em vez de uma convivência, o PL 2.646/2020 acaba por criar uma sobreposição entre os modelos, que pode vir a prejudicar a emissão de títulos no formato já existente.


Além disso, a ideia da oferta de juros mais altos ao mercado, compensada por uma dedução fiscal, conflita com a dinâmica que verdadeiramente rege a precificação desses ativos – a do livre mercado.


Diversos fatores impactam no custo de uma operação desse tipo, desde riscos corporativos e riscos financeiros a volume, prazo e garantias. É até possível que, no fim de toda essa precificação, o emissor se disponha a fazer um aumento proporcional da alíquota de juros compensando as deduções fiscais. Contudo, diante da ausência do benefício fiscal de redução de IR, é difícil determinar nesse momento que essa modalidade de Debênture de Infraestrutura será realmente atrativa para o mercado.


Não podemos negar que a intenção é benéfica. Diversificar o custeio da infraestrutura no Brasil significa desonerar os cofres públicos, acelerar e ampliar o desenvolvimento do setor. Contudo, é importante que na tentativa de ampliar um mercado e melhorar o que já é ótimo, não acabemos por prejudicar um modelo bem-sucedido, que ainda está em crescimento exponencial.


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