Como o conflito de gerações pode afetar nosso olhar ao novo

Resistência é uma armadilha geracional que se repete ao longo do tempo

Por: Flavia Maya  -  05/05/23  -  06:36
  Foto: Imagem Ilustrativa/Pixabay

Outro dia recebi um vídeo chamado A História de Gerações Mais Velhas Reclamando de Gerações Mais Novas. Ele começa com críticas à atual geração Z e, então, começa a retroceder no tempo. No século 19, por exemplo, membros antigos da sociedade reclamavam de jovens sem educação, correndo em seus veículos movidos a vapor.


Clique, assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe centenas de benefícios!


Nos anos 1700, os mais novos careciam do vigor e resistência das gerações anteriores e, em 1300, era chocante o uso coloquial da língua pelos jovens. O vídeo retrocede mais, até o século 4 a.C., quando Aristóteles reclamou da audácia dos jovens, ainda não apaziguada pelo tempo. Creio que ele poderia seguir adiante, mas acho que deu para entender a mensagem: a sociedade adulta tem como hábito rejeitar a juventude e grande parte das suas novidades.


Eu sou da geração que teve uma infância analógica e foi vendo a vida se tornar progressivamente mais digital. Nós fomos capturados pelos videogames, internet, celulares conectados e redes sociais. E, claro, ouvimos muitas críticas pelo tempo investido nas telas. Mas quem, conscientemente, viraria as costas para um lugar que reúne todo o conhecimento do mundo?


Por isso, eu prometi que nunca me sentiria ultrapassada a ponto de não tentar algo novo. E eu vinha cumprindo essa promessa com relativo sucesso até algumas semanas atrás, quando o mundo foi apresentado a uma inteligência artificial (IA) incrivelmente acessível – o ChatGPT. Confesso que a minha primeira reação foi sentir... preguiça. E vendo os conteúdos gerados por IA, pode ser que eu tenha inclusive caído na armadilha do conflito geracional.


Sim, eu sei! Logo eu! Mas essa onda de conteúdo gerado por IA foi, naturalmente, seguida de artigos e matérias - alguns recheados de previsões catastróficas, outros defesas entusiasmadas, e mais alguns apenas aguardando o desenrolar do assunto. Eu sabia que não conseguiria ignorar a IA por muito tempo. Porque além de cumprir minha promessa, eu queria realmente entender a ferramenta e suas implicações jurídicas.


Um dos primeiros alertas sobre a IA foi acerca do uso indevido de obras intelectuais protegidas. Uma imagem ou artigo gerado por IA apenas poderia surgir de uma combinação de elementos pré-existentes, disponíveis na internet. E essa combinação, consequentemente, implicaria em violação de direitos de autor. Certo?


Ou... será? Se uma IA puder aprender com o conteúdo que recebe e, então, criar algo distinto, qual será a diferença desse processo para o de criação humana? Com tantas discussões sobre os limites da inspiração e do plágio em obras humanas, não seria o caso de extrapolar esses conceitos para a IA? Em outro aspecto, temos visto debates acerca do uso de IA em peças processuais, decisões e documentos jurídicos. Seria válido o conteúdo gerado por IA?


Bem, no estágio atual das IAs, é bem claro que a revisão humana e checagem de fontes ainda é necessária. Porém a discussão em si me lembrou uma outra de algumas décadas atrás, quando a Microsoft anunciou um editor de planilhas capaz de automatizar cálculos e fórmulas: o MS Excel. À época, foi questionada a confiabilidade da ferramenta, que jamais se igualaria a capacidade humana de realizar cálculos. Porém, o MS Excel acabou se tornando uma ferramenta indispensável para diversas atividades e que permanece popular após mais de 35 anos no mercado.


E não seria a IA similar a isso? A resistência ao novo é uma armadilha geracional que vem se repetindo ao longo do tempo. Talvez seja o caso de enxergarmos a IA como mais uma ferramenta, capaz de tornar mais ágeis algumas etapas dos nossos processos, nos ajudando a concentrar esforços no verdadeiro trabalho intelectual. Nem um substituto da inteligência humana, nem tampouco um mero repetidor de informações plagiadas da internet. Isso, claro, até que a próxima revolução tecnológica seja noticiada.


Nota: esse artigo não foi gerado por IA


Tudo sobre:
Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
Ver mais deste colunista
Logo A Tribuna
Newsletter