A revolução da simplicidade

A fama de “complicado” que acompanha qualquer conteúdo relacionado ao Direito se sustenta na realidade

Por: Flavia Maya  -  08/08/23  -  06:36
Fama de “complicado” que acompanha qualquer conteúdo relacionado ao Direito se sustenta na realidade
Fama de “complicado” que acompanha qualquer conteúdo relacionado ao Direito se sustenta na realidade   Foto: Reprodução

Vamos começar com um exercício de livre associação, ok? Eu darei uma palavra e você pensará em um adjetivo. “Processo”. Pensou no adjetivo? Agora, “opinião legal”. Vou te dar um segundo para pensar. Agora, “contrato”. Pensou? Eu não saberei as respostas, mas posso apostar que uma grande parcela dos leitores terá imaginado algo como “difícil”, “complexo”, “incompreensível”, para não incluir outros menos gentis.


A fama de “complicado” que acompanha qualquer conteúdo relacionado ao Direito se sustenta na realidade. Do uso de expressões em latim ao famoso “juridiquês” (um misto de linguagem acadêmica com jargões), os advogados parecem às vezes se comunicar em uma linguagem propositalmente difícil. E isso traz consigo suas consequências.


Seja dentro de empresas ou em escritórios, é comum que os advogados sejam vistos como um “mal necessário”. Parece uma expressão dura, mas vamos ser francos. Se você é obrigado a interagir com alguém que complica a sua vida em vez de ajudar, é difícil pensar de outra forma.


Além disso, essa característica traz consigo outra questão. No caso de contratos e documentos afins, se não forem claros, acabam por decepcionar as partes envolvidas quando elas mais precisam, ou seja, quando surge alguma controvérsia ou conflito. E igualmente problemático é o caso de peças processuais e opiniões legais.


Pense no seguinte exemplo. Você tem que apresentar um produto lindo para um cliente e recebe duas opções. A primeira, uma bandeja com alguns itens acessórios e o seu produto no meio, em destaque. A segunda, uma caixa de papelão misturada a outros objetos totalmente inúteis. Qual você irá preferir? Não importa o quanto a sua ideia seja boa. Se o seu texto for uma caixa de papelão, ela não será bem recebida.


A solução para isso, contudo, é simples. Literalmente. Deve-se ter a simplicidade como objetivo. Para um olhar de fora, a simplicidade pode parecer óbvia. Se você trabalha com design e experiência do cliente, talvez você até tenha o famoso princípio KISS ('keep it simple, stupid', algo como 'mantenha tudo simples, estúpido') pendurado na parede. Mas para o advogado, o conceito não costuma ser tão intuitivo.


Quando uma opinião depende de múltiplas fontes, escondidas em normas legais, infralegais, doutrinas, jurisprudências, teses etc., é quase compreensível que o texto resultante seja excessivamente complexo. Eu disse “quase”. Além dos problemas já citados, apresentar um texto complicado ao seu cliente significa delegar a ele a tarefa de organizar as suas ideias e torná-las compreensíveis. Some-se a isso o uso excessivo de jargões - atalhos linguísticos que são excelentes para anestesiar o cérebro do leitor – e você terá um cliente cansado e frustrado.


Eu disse que a solução era simples, mas não disse que era fácil. Atingir a simplicidade requer esforço. Demanda analisar a sua ideia, construir uma estrutura de pensamento que siga alguma ordem (cronológica, por exemplo), escrever o texto bruto e, a partir daí, limpar, revisar, reordenar, reanalisar e limpar mais um pouco. Até que o seu texto deixe de ser a caixa de papelão para se tornar a bandeja.


Mas, por mais que essa seja uma tarefa trabalhosa, ela não pode ser um luxo. Quanto mais o mundo fala em experiência do cliente e design thinking, mais ele percebe o anacronismo do advogado tradicionalista. Existem muitas ferramentas e consultorias em legal design e transformação digital, mas eu não vou entrar nesse aspecto porque entendo que elas são exatamente isso: ferramentas.


Por trás dessas ferramentas, deve haver profissionais que entendam a importância de se tornar acessível e de facilitar a vida do seu cliente (interno ou externo). Que já deixaram de lado o conceito de reter informação para se manter relevante. Sem essa compreensão, nenhuma ferramenta será suficiente. Com ela, talvez nenhuma ferramenta seja precisa para que o advogado seja muito mais do que um “mal necessário”.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
Ver mais deste colunista
Logo A Tribuna
Newsletter