
Sempre alguém era ‘sorteado’ para se vestir de Papai Noel. Convenhamos, que no verão santista, não é uma tarefa das mais agradáveis ( Foto: Divulgação/Santa Claus Village )
Tem quem ache a época das festas melancólica, que fuja de todas as referências, que fique mal humorado a cada vitrine enfeitada ou diante da profusão de chegadas de papais noéis sem fim.
Sim, há muitos ‘Grinch’ por aí. Aquele personagem antagonista do Natal, do livro infantil do Dr. Suess, que rendeu filmes de sucesso e que as crianças assistem mil vezes nesta época. Tipo de história que faz a gente repensar valores, bem clichê natalino, que pode ser batido, mas é irresistível.
Não julgo os Grinch espalhados por aí. Afinal, a época sempre traz muitas lembranças, reflexões, balanços de vida. E, seres humanos falhos que somos, colocamos as memórias tristes na prateleira mais à mão e deixamos dezenas das passagens felizes lá no fundo da gaveta.
É inevitável a gente reviver sombras dolorosas que ofuscam aquela fresta de sol que se esforça para passar pela nuvem pesada. Também, é difícil desviar da tentação de avaliar o ano e se cobrar. Haja razão para melancolia. É saudade de quem já se foi ou de quem nunca chegou. É vontade de ser diferente, de fazer mais ou de não fazer nada. A gente é insatisfeito por natureza e quem já perdeu alguém tem essa falta eterna, esse vazio que não se preenche. Tudo fica agudizado quando dezembro se aproxima e as luzes começam a se acender e piscar.
A correria que a data impõe também estressa uma legião. Adiantar o trabalho para as folgas, dar uma ordem na casa para entrar o ano melhor, programar a ceia, comprar presentes...Ufa.
Eu sou o oposto do Grinch. Sou a maluca do Natal. Minha casa tem enfeite da cozinha ao banheiro. Onde você entra, vai ser lembrado de que o Natal está chegando (oba!). Adoro tudo, desde a correria até a melancolia. Sim, eu também a tenho, mas gosto de curtir ela um pouco. Rememorar bons momentos que tivemos com meus pais, avós, tios. Todos que já partiram e que também amavam as festas.
A família se reunia inteira e temos tantas histórias para lembrar. Algumas engraçadas. Meu avô, que vez ou outra bebia além da conta (afinal era dia de festa) e certa noite de fim de ano, no meio da madrugada, confundiu o guarda-roupa da minha avó com banheiro. Quando ela acordou, teve a surpresa, foi uma gritaria, e ele escutou sobre isso até seus 100 anos.
Um adendo aqui, interrompendo o tema Natal, Seu Wilson, também conhecido como meu avô, ganhou uma festa de aniversário dos netos quando fez 87 anos. Minha avó não deixava a gente fazer grandes comemorações em datas cheias porque dizia que isso chamava a morte. Enfim, fizemos camisetas, banner, chapéus temáticos e contratamos até uma drag queen, já que ele era um sarrista divertidíssimo. O slogan era ‘87 rumo aos 100’. Bem, logo após completar seu centenário, no qual, com as recomendações incisivas da minha avó, fizemos só uma festinha com a família, ele faleceu, cumprindo o que ficou vaticinado 13 anos antes.
Voltando aos natais, sempre alguém era ‘sorteado’ para se vestir de Papai Noel. Convenhamos, que no verão santista, não é uma tarefa das mais agradáveis. Em um deles, a sina sobrou para o meu pai. Compramos a roupa, o saco vermelho e organizamos o esquema para que a criançada não percebesse. Acontece que meu pai era do tipo atrasado, muito atrasado. Sempre o último. Logo no início da noite, quando amigos chegaram para a festa, subiram trazendo travessas e também um Papai Noel, acompanhado de uma Mamãe Noel. E não era qualquer Papai Noel não. A fantasia, a barba, a voz, era tudo impecável. A acompanhante era linda, parecia de propaganda. Como subiram com nossos amigos, achamos que eles tinham contratado a surpresa. Estou lá na cozinha tentando achar lugar na geladeira para os quitutes que trouxeram, quando um deles fala: “Que legal que vocês chamaram um Papai Noel”. Nos olhamos sem entender nada. Achamos, então, que eles haviam entrado na casa errada. Fui a sala avisar e vi todos, inclusive o casal da Lapônia, sentados no sofá num papo animado.
O Papai Noel só perguntava do seu Luiz, meu pai, que lógico estava atrasado. E nós começamos a ficar assustados. No saco desse Papai Noel tinha apenas um objeto no fundo que parecia uma arma. A imaginação foi longe, os sussurros aqui e ali aumentaram e começamos a interrogar o casal, àquela altura, de suspeitos. “Vamos ser assaltados pelo Papai Noel”, era só o que eu pensava.
Após algumas ameaças, o visitante teve que abrir o jogo e nos acalmar: não era uma arma, era uma joia, um presente para minha irmã Roberta, enviado pelo então novo namorado, que ainda não conhecíamos. Ele estava viajando e quis fazer a surpresa. Mas a ordem era entregar quando o Seu Luiz (o sogro) chegasse. Esclarecemos que se ele tivesse outras casas para ir era melhor não esperar, porque era capaz de meu pai chegar só no Ano-Novo. Ele deu a joia, minha irmã chorou, nós ficamos curiosos de conhecer o namorado (que virou cunhado e é lembrado dessa história até hoje!), as crianças ficaram decepcionadas porque não tinha nada para elas e ainda tiveram que esperar muito para o nosso Papai Noel aparecer. Para completar, minha irmã caçula, na época com 2 anos, abriu o berreiro assim que meu pai entrou fantasiado, e não se acalmou nem com os presentes.
Uma lembrança boa, que deixo bem visível no arquivo da memória, na frente do que pode ser triste. E assim vou abrindo espaço nas gavetas e prateleiras para novas histórias, agora com as crianças, sobrinhas e sobrinhos, e até uma sobrinha-neta, que terá seu primeiro Natal por aqui e a gente vai fazer tudo para ele ser inesquecível.
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