Caso Ever Given e avarias marítimas grossas

Em 23 de março de 2021, o navio porta-contêineres Ever Given encalhou no Canal de Suez

Por: Eliane Octaviano Martins  -  15/11/22  -  08:52
 O navio cargueiro Ever Given, de 400 metros, ficou 6 dias encalhado no Canal de Suez
O navio cargueiro Ever Given, de 400 metros, ficou 6 dias encalhado no Canal de Suez   Foto: Arquivo

Em 23 de março de 2021, o navio porta-contêineres Ever Given encalhou no Canal de Suez, um dos pontos mais estratégicos do transporte marítimo no Egito, que liga o Mar Vermelho ao Mediterrâneo.


Clique, assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe centenas de benefícios!


O MV Ever Given, porta-contêineres da classe golden, é um dos maiores do mundo: tem quase 400 metros de comprimento e 53 metros de largura, além de pesar 224 mil toneladas.


O navio havia saído da China com destino a Roterdã (Holanda) e transportava cerca de 20 mil contêineres.


Como causas prováveis do acidente, tem se apontado a falta de visibilidade e fortes rajadas de vento. Porém, tem se considerado a ocorrência de erro humano e técnico.


O encalhe provocou um congestionamento de 422 embarcações e o tráfego na via só foi normalizado cinco dias após a remoção do porta-contêineres, que ficou apreendido no Egito até 7 de julho de 2021.


Foi decretada avaria grossa, termo que causou muitas dúvidas, inclusive, em empresas que atuavam com frequência no comércio internacional.


Mas o que significa avaria grossa e quais as implicações dela? As avarias grossas (ou comuns) são despesas ou danos extraordinários resultantes ou decorrentes de um ato humano intencional e razoavelmente praticado em situação de perigo real e substancial para fins de salvamento parcial – ou total– do interesse envolvido na expedição marítima, que pode ser o navio e/ou a carga ou o frete.


Trata-se de um dos institutos mais antigos do mundo, é lei do mar, fundamentada no princípio da equidade: despesas ou danos causados em benefício de todos devem ser ressarcidos por todos. Ou seja, o valor dessas despesas ou danos intencionalmente provocados são repartidos proporcionalmente entre o navio, o frete e a carga a bordo.


Para enquadramento de um sinistro marítimo em avaria grossa, há que se identificar alguns pressupostos essenciais, entre os quais se destacam, em regra: I) o dano ou despesa extraordinária, intencional e razoavelmente feitos para a segurança comum e no sentido de preservar do perigo os bens envolvidos na mesma expedição marítima; II) perigo iminente e real; III) resultado útil, salvamento parcial ou total do interesse envolvido na expedição marítima, pressuposto esse que não é considerado essencial para alguns doutrinadores da área.


A decretação de avaria grossa no caso do MV Ever Given foi embasada em um perigo real de quebra e naufrágio do navio e todos os envolvidos na expedição marítima (inclusive a carga) participarão do rateio.


Trata-se de caso emblemático, sem precedentes ou similar. Estima-se que a regulação de avarias vai demorar de dois a quatro anos e ainda não se tem certeza dos valores envolvidos. Em geral, tem se admitido que os valores relativos às despesas de salvamento do navio serão considerados. Mas há outros que vêm sendo questionados se serão admissíveis no rateio, como despesas de desembarque/reembarque da carga para salvamento, forwarding da carga, danos à carga por atraso, demurrage e bunker.


O Caso MV Ever Given mais uma vez demonstra ser indispensável que todas as partes que atuam no comércio exterior conheçam a fundo as normas, responsabilidades e pressupostos de enquadramento das avarias desde a fase negocial, pré-contratual das compras e vendas internacionais.


No contexto de mundo globalizado e competitividade, os players devem exercer o direito-prevenção além de primar pela continuidade das parcerias negociais. É importante que se analise conscientemente os riscos e possibilidades de danos e despesas decorrentes da expedição marítima, essencialmente no que tange à possível contribuição obrigatória na hipótese de decretação de avarias grossas ou exclusão de responsabilidades nas avarias simples.


Tudo sobre:
Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
Ver mais deste colunista
Logo A Tribuna
Newsletter