Semipresidencialismo à brasileira

A instabilidade política nacional se deve menos ao regime de governo do que ao baixo nível geral dos governantes

Por: Redação  -  20/07/21  -  06:39
 Arthur Lira e defensores da proposta afirmam que começaria em 2026, sem interferência nas eleições do próximo ano
Arthur Lira e defensores da proposta afirmam que começaria em 2026, sem interferência nas eleições do próximo ano   Foto: FábioRodrigues Pozzebnom/Agência Brasil

Poucas afirmações soam tão óbvias quanto a de que, em um regime democrático, pode-se discutir de tudo, até haver consenso. Contudo, a exemplo da máxima evangélica pela qual tudo se permite, mas nem tudo convém, está uma ideia cujo ressurgimento no debate político coincide com a ruína da imagem do presidente Jair Bolsonaro: a instituição do semipresidencialismo como regime de governo.


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Uma proposta de emenda à Constituição (PEC) com essa finalidade fora apresentada, no ano passado, pelo deputado federal Samuel Moreira. Até este mês, entretanto, jazia na Câmara dos Deputados. Na medida em que se empilham pedidos de impeachment do chefe do Executivo — 126 até a última semana, elemento que põe em xeque a inação do Congresso diante da cobrança para que sejam postos à mesa — e pesquisas cravam que a opinião pública sobre a figura presidencial não é das melhores, surge o presidente da Câmara, Arthur Lira, tirando da cartola a mágica semipresidencialista.


O semipresidencialismo consistiria em um regime pelo qual a Presidência da República continuaria eleita pelo voto direto. O escolhido, porém, teria papel restrito ao de chefe de Estado. Ele delegaria o comando do Governo a um primeiro-ministro, preferencialmente um deputado ou senador.


Caberia a este, por exemplo, nomear toda a equipe ministerial, administrar o País e conduzir os entendimentos entre Executivo e Legislativo. Todo mês, o primeiro-ministro prestaria contas de seu trabalho na Câmara. Poderia ser destituído caso aprovada uma moção de censura de autoria do presidente ou por dois quintos da Câmara e do Senado. O ministério somente mudaria após a escolha de outro primeiro-ministro.


E quando o novo sistema seria aplicado? Arthur Lira e defensores da proposta afirmam que começaria em 2026, sem interferência nas eleições do próximo ano e para as quais, neste instante, é difícil a situação de Jair Bolsonaro. Entretanto, a PEC menciona que o semipresidencialismo começaria a valer no primeiro dia do mandato posterior à promulgação da emenda. Dúvida pertinente e de solução simples: delimitar o ano inicial da vigência.


Lira voltou à carga ontem, em uma rede social, alegando que a proposta visa a reduzir “a instabilidade crônica que o Brasil vive há muito tempo” e “surgiu antes da crise atual”. No dia 10, havia declarado à CNN que “o Brasil não deve se acostumar a ficar desestabilizando eleições”, numa alusão à tentativa de depor Bolsonaro legalmente.


A despeito dos interesses que o tema desperta em situacionistas e oposicionistas, a instabilidade política se deve muito menos a seu regime administrativo do que ao baixo nível geral de quem governa e de quem fiscaliza. O presidente da República exerce mal seu papel, e o Congresso aproveita a crise para vender salva-vidas em um eventual naufrágio. Sobretudo, o Centrão, que ganharia com um semipresidencialismo à brasileira.


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