Falar em corrupção traz à mente episódios de desvio de dinheiro público, investigação de políticos e empresas, grandes esquemas cujos responsáveis são tardiamente ou jamais condenados, com rara compensação ao erário por aquilo que lhe foi dilapidado.
No entanto, os efeitos da pandemia de covid-19 no Brasil deveriam fazer pensar em um fato: o quanto o negacionismo de governantes — por terem dito que a doença seria inofensiva, que o alarme era exagerado, que se trataria de um plano “globalista” para subtrair liberdades — prejudicou a saúde coletiva e minou a sobrevivência de negócios de todos os gêneros e os empregos que proporcionavam.
A negação de perigos e da realidade que sobreviria da concretização deles dificultou, no caso brasileiro, uma ação unificada de esferas governamentais. Sabe-se à exaustão que, no sentido figurado, falaram-se idiomas diferentes na prevenção do coronavírus e no incentivo a medidas preventivas. Houve vaivém de ações e compreensíveis resistências de segmentos econômicos. Faltou coordenação central de medidas, não porque o Supremo Tribunal Federal (STF) a proibisse, mas porque a minimização da crise sanitária por Brasília exigiu reações em estados e municípios.
Se o passado não volta, planejar o pós-pandemia requer uma análise histórica objetiva que leve a concluir, abaixo das vidas perdidas, quanto gasto público teria sido evitado, caso se tivesse feito todo o recomendado, sem a necessidade de prolongar internações, auxílios, compensações de salários pelo Governo, ausências ao trabalho por doença, sequelas imprevisíveis.
Os efeitos do negacionismo, ainda persistentes e que levam incautos — sem citar tantos agentes de desinformação deliberada — a disseminar recomendações inócuas à saúde, também se refletirão nas incalculáveis despesas de reconstrução nacional: da economia, dos serviços públicos de saúde, da retomada do tempo perdido na educação básica e na formação de profissionais, da quitação de dívidas contraídas a juros altos para fazer frente a despesas que, outra vez, teriam alcançado cifras muito menos extraordinárias com um mero exercício de responsabilidade coletiva.
A avaliação histórica do Brasil após a covid-19 deverá incluir elementos como o prejuízo causado ao trabalho e aos empresários pelos negacionistas. O País retrocedeu a níveis de 30 anos atrás na empregabilidade feminina, por exemplo. E a alta recorde do nível de desocupação, provada por estatísticas, conduz muitos candidatos a poucos empregos a aceitar condições às quais não precisariam se sujeitar em uma economia menos desequilibrada e injusta.
O ponto de partida nacional para o além-covid está contaminado pelas mazelas do negacionismo corrupto, que maleficia a sociedade em níveis comparáveis, se não superiores, aos da ladroagem tradicional. Se houver julgamento, será pela História, mas ela não desfará mortes nem derrocadas.