É praxe no Brasil as negociações de marcos legais se arrastarem por anos e as metas para cumprir suas etapas serem dificilmente atingidas. A nova lei do saneamento básico, em vigor há dois anos, já dá sinais de que trilha esse caminho, segundo reportagem do jornal Valor. A rigor, trata-se de uma boa legislação, que atrai o capital privado, impõe competitividade às estatais do setor e exige governança dos prefeitos nesse segmento, que envolve muitas obras e recursos, quando eles são destinados de fato.
Afinal, como já se sabe, esses investimentos não são os preferidos dos políticos por não “aparecerem” tanto. O outro lado positivo desse marco é o de buscar a universalização no País (todos devem ter ligações de água e esgoto, um salto na cidadania e na saúde considerável) até 2033. As companhias privadas e públicas terão que provar capacidade econômica-financeira para universalizar esses serviços, sob o risco de seus contratos perderem valor.
Pois é nas cidades de menor porte ou pobres que está a dificuldade para o marco começar a atingir suas metas. Para atender as prefeituras mais modestas, a nova legislação estimula a regionalização do saneamento – as cidades vizinhas podem se unir para conseguir contratos mais vantajosos com as companhias. Assim, presume-se, haverá na mesma concessão vários municípios contíguos com muita receita nova ao ligar água e esgoto para milhares de famílias consumidoras, que passariam a pagar as tarifas. Esse é o atrativo para o capital do saneamento. Depois de passada a fase mais difícil de levantar recursos para realizar as obras, viria o período da prestação dos serviços e do pagamento de corriqueiras contas mensais de água e esgoto.
Mas muitos municípios têm resistido ou não conseguiram se entender com os vizinhos para formar um consórcio regional para levar água encanada e coletar esgoto de seus moradores. Isso não chega a surpreender, pois existe o exemplo das regiões metropolitanas, onde as cidades conurbadas compartilham problemas de trânsito, educação, saúde e violência sem grandes resultados em conjunto.
O que preocupa é que essa restrição à regionalização é verificada nas partes do País mais carentes de saneamento básico. Por isso, o interesse delas pela união é que deveria ser a prioridade de qualquer prefeito. O que está por trás disso? Desinteresse por prestar serviços à sociedade, desconhecimento das regras por se tratar de nova legislação, disputa para influenciar os contratos, ineficiência? O que se sabe é que a quantidade de cidades que ainda não está adaptada a esse marco é muito grande. Segundo o Valor, há 1.117 municípios – um quinto do total no País – que tiveram seus contratos considerados irregulares perante o marco e não poderão atrair investimentos das companhias estatais ou privadas. É evidente que o poder central, a União, precisa se debruçar sobre esse problema, passar um pente-fino e corrigir as falhas do marco.