A boa notícia

Alguém por aí viu a boa notícia? Sabe por onde anda, que fim levou?

Por: Cassio Zanatta  -  28/09/23  -  06:23
  Foto: Imagem Ilustrativa/Pixabay

Alguém por aí viu a boa notícia? Sabe por onde anda, que fim levou, se foi sequestrada, foi embora para Portugal, alistou-se no Exército da Salvação? Porque a verdade é que a boa notícia simplesmente desapareceu. Faz tempo que não dá as caras.


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A última vez que a vi foi no nascimento de Bruno, o caçula da família. Estava tão bem, alegrinha, aquela presença que adoça o dia e salga a vida. Mas logo em seguida veio uma sequência que, não sei, talvez a tenha assustado:


A pandemia. O isolamento. O descaso com as vacinas. As 700 mil mortes (ai, o meu amigo Bonas). O desemprego. As queimadas provocadas. O desmonte dos órgãos de controle. A devastação da Amazônia. A desfaçatez dos homens públicos atuando em causa própria. Pobreza e fome se alastrando pelo País. A volta da inflação. A pouca chuva, o risco de apagão. A persistente má fase do Santos.


A alegria sumir foi causa ou consequência? Foi soterrada por essa avalanche escura, levada por um tufão de poeira e enxofre, abduzida por uma praga extraterrestre que, sem dúvida, quer nos exterminar para poder tomar posse da Baía do Sancho, o lugar mais lindo do Brasil.


Sem a boa notícia, não há encanto possível numa crônica. Sobre qualquer leveza, pesa um caminhão carregado de ressentimento. Tico-tico, nuvem, paçoca, vaga-lume, espuma, tudo perde a graça, vira assunto amordaçado. Se eu insisto (e desculpem se isso é meio ofensivo nesses dias), é que não sei de outro jeito.


Um dia ela há de voltar. A gente precisa acreditar nisso, tem que acreditar nisso. Como o afogado que se agarra a qualquer coisa que passe boiando; como o filhote de onça se protege se enroscando nas pernas da mãe; ou na ilusão com que, no gol adversário, a gente torce para o bandeirinha estar com a bandeira erguida. Somos facinhos de criar esperanças.


O que não pode é a notícia ruim se sentir dona do pedaço, desfilar toda impávida, exibindo aquele sorriso arrogante. Pior: livre para imaginar enredos ainda piores.


Sejamos, então, subversivos: criemos uma Resistência Tupiniquim, para minar a confiança dessa vadia. Aqui e ali, cada um em seu bunker particular, vamos disparar notícias boas. Qualquer uma: que a chuva reaprendeu a cair, que a safra de amoras está coisa fina, que a dor de dente da avó passou, que Bruno falou “mamãe”. Nada de grandioso, a princípio, mas que aos poucos vá constrangendo a má notícia, mostrando no espelho toda a sua feiura, até que ela volte para aquele seu lugar cinza-chumbo, pantanoso, o poço do rancor, onde brotam negacionistas e defensores da volta dos militares. E que seja engolida, sem mais nem menos, pelo mais escuro dos buracos negros. Não falei que a gente é bom de inventar esperanças?


E assim, deixar a porta aberta para a sumida voltar. A boa nova chegará de mansinho, cabreira, sorriso tímido, pé ante pé, silenciosamente (só rangendo um pouco as sandálias). Mas com muita vontade de se sentar à mesa, reunir a moçada e pedir um chope, talvez uma empadinha, esfregando as mãos, cheia de coisa para contar.


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