Para alguns, um amigo excepcional; para outros, um gângster sem escrúpulos. Um homem que exerceu enorme fascínio, mas também incitava a violência. Este foi Castor de Andrade, o mais famoso bicheiro e cartola brasileiro, cujo legado conflitante de possível envolvimento em dezenas de crimes e grandes conquistas para o esporte e samba é retratado na série Doutor Castor, disponível na Globoplay.
Em sua primeira temporada, a série documental narra, em apenas quatro episódios, o surgimento da cúpula do Jogo do Bicho e a criação do império da contravenção formado pelo poderoso chefão. Intocável, Castor tinha a certeza da impunidade, contando com uma força policial própria, vários políticos, juízes e até jornalistas em suas mangas. Tudo isso conduziu sua jornada de luxo e riqueza, que o tornou o segundo homem mais rico do País em meados dos anos 1980.
O documentário mostra a todo momento essa fachada do homem boa praça, querido por todos, do verdadeiro lobo em pele de cordeiro - ou melhor, de castor. Ele promoveu investimentos de procedência duvidosa entre as duas maiores entidades do Brasil, o Carnaval e o futebol. Consolidou-se patrono da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel e patrocinador do Bangu Atlético Clube, que, graças ao "padrinho", chegou a conquistar a Taça Rio, ótimas posições no campeonato carioca e destaque no Brasileirão.
Com inúmeras associações criminosas, Castor é o mafioso hollywoodiano da vida real. Entre depoimentos de pessoas próximas ao contraventor, como ex-jogadores do Bangu, são desveladas as vaidades e excentricidades do bicheiro, que buscava a fama em todos os campos. Mesmo tratando-se de um perfil criminal, a série tem clima descontraído, evidenciando como a condescendência com figuras poderosas é um fenômeno atemporal.
Outro prisma para a indignação são os alinhamentos evidenciados entre o jogo do bicho e a ditadura militar. O documentário revela como os bicheiros tinham facilidade em transitar no mundo político pós-1985, contando com tratamento exclusivo, como qualquer outro membro da elite brasileira, sempre entre abraços e sorrisos.
Se não estivéssemos em uma série biográfica, seria fácil identificar muitas outras figuras públicas influentes no País que exerceram (e exercem) tamanha interferência política. Entretanto, essa “baboseira do politicamente correto”, como diz uma das fontes no documentário, nos torna simpatizantes de certos vilões, agora apelidados carinhosamente de anti-heróis.