Desde House of Cards, lançada em 2013, a Netflix investe no potencial de suas séries originais para tornar-se mais competitiva no mercado. Um exemplo que se destaca na vasta lista de produções originais, que se expande dia após dia, é Atypical, uma comédia dramática que lança sua quarta e precocemente última temporada neste mês, deixando aquele gostinho de quero mais.
A série acompanha a família de Sam Gardner (Keir Gilchrist), um rapaz no espectro autista que busca sua autonomia com a ajuda da família e amigos. Ao longo de seus breves 38 episódios, conhecemos personagens encantadores, que nos levam do riso às lágrimas, mas não possuem tanto espaço para evoluir sem o tempo de tela merecido.
Na temporada final, a situação se agrava com o surgimento de plots lançados com urgência, mas que acabam pouco explorados e se resolvem de duas a três cenas sem grandes surpresas. Contudo, a cena final supre o otimismo que a série pede e aquece o coração em grandes sonhos, agradando os fãs mesmo com seus clichês.
De forma geral, a trama sensível gira em torno da união familiar e da importância de redes de apoio, apresentando desde conflitos típicos, como crises no casamento dos pais, Elsa e Doug Gardner (delicadamente interpretados por Jennifer Jason Leigh e Michael Rapaport), até questões mais densas, como o processo de autoconhecimento da caçula Casey (Brigette Lundy-Paine, de atuação progressivamente brilhante). Além do elenco principal, o carisma das personagens secundárias e suas histórias pessoais também contribui para o sucesso garantido de Atypical.
Imerso nessa essência do extraordinário que habita cada um de nós, a narrativa explora imaginação e realidade, usando uma abordagem lúdica para dar voz ativa às perspectivas de Sam sobre o mundo. Às vezes, o esforço cai em vícios cômicos para incitar determinados conflitos, mas a atuação dedicada de Gilchrist nos envolve na maior parte do tempo e nos deixa empolgados com o desenrolar das situações.
Junto a Sam, nos apaixonamos por curiosidades aleatórias sobre pinguins, reaprendemos a expressar nossos sentimentos de maneiras criativas e descobrimos o valor inestimável da comunicação, que se atropela nos tempos de realidade virtual acelerada. Às vezes, é necessário desacelerar, respirar fundo e digerir uma série com tranquilidade — ou também adotar alguns desses preceitos em nossas próprias correrias.
É nesse exercício de leveza, empatia e sensibilidade que Atypical nos deixa, tratando temas sérios e necessários como diversidade, representatividade e anticapacitismo num equilíbrio de seriedade e bom humor cada vez mais necessário.