Jornalista e coordenador do Projeto Comprova explica monitoramento de conteúdos digitais

Sérgio Lüdtke fala sobre iniciativa que reúne 33 veículos de comunicação do Brasil

Por: Arminda Augusto  -  05/12/21  -  10:15
Lüdtke representou o Comprova na cerimônia da Associação Nacional de Jornais (ANJ)
Lüdtke representou o Comprova na cerimônia da Associação Nacional de Jornais (ANJ)   Foto: Arquivo Pessoal

"A questão é quem consegue mais efeito com a desinformação que produz”. A frase que é do jornalista Sérgio Lüdtke, coordenador do Projeto Comprova, uma iniciativa que reúne 33 veículos de comunicação do Brasil. E o que ele quer dizer é o seguinte: não importa se quem produz mais desinformação são os grupos de direita ou de esquerda. A questão é quem tem mais articulação para ampliar o efeito dessa desinformação por meio, basicamente, das redes sociais. Lüdtke representou o Comprova na cerimônia da Associação Nacional de Jornais (ANJ) que premiou, esta semana, duas iniciativas com o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa, um reconhecimento a jornalistas e veículos de comunicação que têm como bandeira a defesa da imprensa enquanto ferramenta das liberdades. Além do Comprova, também ganhou o Consórcio de Veículos de Imprensa (G1, Estadão, O Globo, Folha, UOL, Extra), formado durante a pandemia para coletar dados sobre a convid-19. A seguir, os principais trechos da entrevista.


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Como é o trabalho do Comprova?


A gente faz o monitoramento de personagens, pessoas, grupos, páginas, palavras-chave e várias plataformas. Nosso escopo é basicamente políticas públicas em torno do Governo Federal. A pandemia entrou nesse escopo. Eleições presidenciais também. Nossos editores fazem uma primeira avaliação do material que recebemos. A partir daí, a gente lista os conteúdos que têm mais viralização, mais engajamento, mais visualizações. Esse é o corte objetivo que a gente acha necessário ter para dar uma satisfação ao público sobre por que estamos investigando uma coisa e não outra. Mesmo os conteúdos que a gente recebe pelo WhatsApp passam pelo critério da viralização. Se estiver viralizando, a gente vai investigar. Dependendo do fôlego que tivermos para fazer as verificações, vamos abrindo para mais conteúdos.


E como é feita a distribuição pelos veículos? Como se escolhe qual veículo vai investigar o que chega?


Normalmente, há um jornalista de cada veículo. Eles vão se voluntariando para fazer a investigação. Em geral, uns três jornalistas de veículos diferentes começam a fazer a apuração. Assim que eles finalizam o relatório e a reportagem, esse material é submetido aos outros veículos. É um processo que a gente chama de cross checking, uma espécie de revisão, para que possamos chegar num texto consolidado, que seja a representação de todos que estão ali. Todos, de certa forma, têm participação nisso. Só publicamos depois desse processo todo.


O Comprova também tem uma busca ativa por conteúdos falsos em sites, entrevistas ao vivo e redes sociais?


Não. Hoje, já existem outras agências que fazem isso mais rapidamente. Nosso processo é diferente e mais complexo. É preciso diferenciar uma coisa: no Comprova só verificamos conteúdos publicados nas redes sociais por cidadãos comuns ou perfis anônimos ou pseudônimos. Não fazemos o fact checking tradicional, o discurso de um político, por exemplo. A gente até pode fazer isso em relação à pandemia, mas no restante, não vamos acompanhar o discurso do político pra checar se o que ele está falando é fato mesmo.


O Comprova existe desde 2018, com as eleições gerais. Teve algum ano em que vocês foram mais demandados? Os anos de pandemia, por exemplo, exigiram mais do Comprova?


A demanda que vem do público foi maior em 2018. Em dez semanas, recebemos mais de 60 mil arquivos para verificar, um volume impressionante. Em 2019, houve menos demanda do público, mas não menos verificações, porque a gente busca nas redes sociais o que está viralizando e vai apurar. Na pandemia, voltamos a ter demanda bastante grande.


E quais temas predominaram na pandemia?


Os temas são mais ou menos repetitivos, ficamos atualizando nosso monitoramento com novas palavras-chave, novos personagens, e já conhecendo um pouco esse movimento cíclico. Tivemos diversas fases da cloroquina, da ivermectina, das vacinas. A informação segue um pouco a agenda pública. Na pandemia, atendemos menos a demanda do público, mas conseguimos nos antecipar a ela, identificando conteúdos que estavam viralizando e precisavam ser investigados. Desde que começou a pandemia, já foram com certeza umas 340 informações que checamos aqui.


Alguns conteúdos voltam a circular nas redes de tempos em tempos, mesmo depois de terem sido classificados como falsos. Que explicação dar para isso?


É verdade. É muito cíclico. A informação precisa do destaque dado pela agenda pública, ou seja, aquilo que está sendo motivado pelo governo ou pela própria imprensa, ou temas, que de alguma forma, colam nas redes sociais e pegam carona. A informação precisa de verossimilhança, então, saber que algum tema está sendo falado mesmo que não tenhamos ideia do que seja é importante.


Por exemplo..


Vacinas. Tivemos várias fases de contestação de vacina. Começou com a Coronavac, que foi a primeira disponível. Depois voltava por algum motivo qualquer, como tal estudo que foi publicado e levantou alguma dúvida.....então, qualquer novo momento que se esteja falando de vacinação faz com que velhos boatos possam ser revigorados, trazidos de novo à baila. Agora, por exemplo, já não se produz tanta desinformação sobre a Coronavac, porque a vacina da vez é a Pfizer. Daqui a pouco isso muda. O mesmo acontece com outros temas. Ivermectiva, por exemplo. Alguém publicou um estudo, em fase inicial, às vezes até um rascunho apenas, ou uma declaração qualquer sobre isso e pronto.....já se começa a voltar a desinformação antiga sobre esse tema. A gente percebeu esse caráter cíclico em forma de ondas já em 2018. Esse formato de ondas serve muito para explicar o fenômeno de informações antigas voltarem. E o motivador é a agenda pública, o que se está falando nos governos e na imprensa.


É possível identificar de onde parte a maioria das notícias falsas? Já se falou que boa parte vem do próprio Governo. É isso mesmo?


Eu não diria que a maior parte vem do governo, mas obviamente que há pessoas ligadas ao governo que têm, sim, produzido essas informações. No nosso monitoramento, damos mais atenção aos conteúdos suspeitos com maior viralização. Os grupos mais conservadores, que dão apoio ao governo, são mais articulados. Tem grupos de bolsonaristas com 1 milhão de seguidores no Facebook. Então, é natural que esses grupos apareçam mais no nosso radar e monitoremos mais o que vem dali. Não há como negar isso. Mas isso não quer dizer que grupos mais progressistas ou mais à esquerda não produzam desinformação. Eles só são menos articulados. Não posso ser leviano de dizer que a direita produza mais. O efeito do que eles produzem é maior porque são mais articulados, só isso. Essa é uma realidade, e não temos como esconder isso. Tenho que ser imparcial nesse aspecto.


E para 2022, esse quadro se equilibra?


Não tenho dúvida disso. A gente já vê grupo de esquerda surgindo agora que se espelha um pouco no tipo de produção da direita durante esse tempo. É provável que tenhamos bastante coisa dos dois lados. A questão não é quem produz mais desinformação. É quem vai conseguir produzir mais efeito com a desinformação.


E que efeitos você destacaria?


Já não estamos mais diante apenas de dados que foram maquiados ou falseados, em que se possa corrigir e republicar. Hoje, estamos num processo em que a desinformação já produziu efeito consolidado na população. As pessoas recebem uma ração diária de desinformação que provoca um efeito no comportamento. Temos observado como as pessoas reagem a esse conteúdo e como impactou na opinião delas, no comportamento, nas ações.


De tanto que já se falou sobre fake news, você diria que hoje as pessoas já estão mais atentas ao que recebem e não saem compartilhando sem algum grau de checagem?


Os alertas funcionam, mas não acho que o quadro esteja mudando, não. No ano que vem, com as eleições, muito do que já se aprendeu até aqui vai ser esquecido. Esse é um problema para muitos anos ainda e ele precisa motivar várias outras forças da sociedade para lutarem contra. A imprensa não consegue fazer isso sozinha. Notícia falsa é muito mais atrativa, porque se vale da emoção das pessoas. A Educação precisa ajudar nessa luta. A sociedade precisa ter consciência de que ela toma decisões, muitas vezes, baseada em informação falsa. Na pandemia vimos isso claramente. Muita gente que se tornou reprodutora de conteúdo falso pagou com a própria vida.


O Comprova encaminha para as autoridades a origem das fake news, para que providências sejam tomadas?


Não, não fazemos. O que fazemos é tentar identificar a motivação de quem publicou e falar com essa pessoa. Dificilmente temos retorno, mas às vezes a pessoa até deleta, corrige, mas a maior parte das vezes somos ignorados.


Qual o passo-a-passo básico que a pessoa deve adotar antes de repassar um conteúdo?


De cara, fique atento a qualquer conteúdo que desperte alguma reação muito forte ou que te peça alguma reação imediata, tipo “Urgente”, “Compartilhe”, “Compartilhe Agora”. Fique atento a isso. Além disso, veja se tem fonte identificada ou alguma fonte desconhecida; conteúdos que não tenham link para conferir o original também merecem atenção. Em geral, todos esses não resistem a uma checagem rápida, jogando no Google mesmo. Isso já inibe muita coisa.


A frase que dá título a esta entrevista é do jornalista Sérgio Lüdtke, coordenador do Projeto Comprova, uma iniciativa que reúne 33 veículos de comunicação do Brasil. E o que ele quer dizer é o seguinte: não importa se quem produz mais desinformação são os grupos de direita ou de esquerda. A questão é quem tem mais articulação para ampliar o efeito dessa desinformação por meio, basicamente, das redes sociais. Lüdtke representou o Comprova na cerimônia da Associação Nacional de Jornais (ANJ) que premiou, esta semana, duas iniciativas com o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa, um reconhecimento a jornalistas e veículos de comunicação que têm como bandeira a defesa da imprensa enquanto ferramenta das liberdades. Além do Comprova, também ganhou o Consórcio de Veículos de Imprensa (G1, Estadão, O Globo, Folha, UOL, Extra), formado durante a pandemia para coletar dados sobre a convid-19. A seguir, os principais trechos da entrevista,


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