Psicólogo de Santos pede mais atenção para as minorias no Setembro Amarelo

Para especialista, prevenção se dá por meio da garantia de direitos, e não pela “patologização do suicídio”

Por: Igor Castro*  -  27/09/22  -  11:42
Thiago Bloss: “Não dá para discutir saúde mental com uma pessoa que passa fome”
Thiago Bloss: “Não dá para discutir saúde mental com uma pessoa que passa fome”   Foto: Igor Castro

A campanha do Setembro Amarelo deixa de lado as minorias mais suscetíveis ao suicídio. “As populações que mais se matam no Brasil são a LGBTQIAP+, a preta, a indígena e a idosa, e isso ocorre também no resto do mundo”, afirma o psicólogo Thiago Bloss, do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio.


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Usando como base relatórios do Grupo Gay da Bahia, da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, ele afirma que essas são populações “que sofrem violência, e violência é qualquer situação em que o outro é reduzido a um objeto, sendo negado como sujeito”.


Para Bloss, é preciso apresentar outras leituras sobre o suicídio. “No Setembro Amarelo, vemos duas linhas de pensamento. Uma, apoiada em um forte discurso medicalizado, em que é presa ao indivíduo a doença mental, uma patologização do suicídio que deixa de lado outras questões importantes que levam uma pessoa a se suicidar”. Ele afirma que isso decorre de um dado equivocado, de que 90% dos casos de suicídio seriam resultado de transtornos mentais.


Para o psicólogo, não é possível associar o suicídio a uma patologia. Ele acredita que a falta de direitos é a principal causa. “A verdadeira prevenção do suicídio se dá através da garantia de direitos, da busca de uma sociedade mais justa, mais igualitária. É uma tarefa extremamente ingênua reduzir a prevenção do suicídio ao mero cuidado da saúde mental”.


Thiago Bloss diz que existe a falsa sensação de que os países mais ricos têm maiores taxas de suicídio, quando na verdade, os relatórios da OMS mostram que 80% dos casos no mundo se concentram em nações de baixa renda, em números absolutos. Estudos já mostrariam que, em número relativos, nos países que têm populações mais vulneráveis, os números de suicídio são maiores.


Esses dados indicam, segundo Bloss, que a garantia de direitos é uma medida eficaz na prevenção do suicídio. Para ele, isso significa que a visão medicalizada precisa ser revista, porque “acaba enxergando a depressão como um ponto de partida, quando na verdade temos que pensar na depressão como resultado da realidade social em que o indivíduo está inserido”.


No Setembro Amarelo, são vendidas campanhas abstratas sobre saúde mental, muito por conta dessa visão medicalizada, segundo o psicólogo, mas ele considera necessário tomar cuidado com o que é saúde mental. “A OMS define saúde mental como bem-estar biopsicossocial, mas o que é bem-estar? Quem define o que é bem-estar? Será que o bem-estar de um país como a Nigéria é o mesmo bem-estar da Finlândia?”, questiona.


O psicólogo argumenta que se deve pensar o bem-estar como autonomia, e que não é possível definir um conceito de saúde mental para todos os indivíduos. Por isso, para ele, a campanha de saúde mental do Setembro Amarelo não ajuda no problema. “Não dá para discutir saúde mental com uma pessoa que passa fome”. Ele acredita que o mês de conscientização faz com que o mais importante, que é a garantia de direitos, seja deixado de lado.


A outra linha de pensamento, aponta o psicólogo, é a que foca no indivíduo como se o sofrimento fosse responsabilidade dele. “O discurso é pautado apenas no conta comigo, conta com a minha ajuda, tenha força, calma que a vida vai melhorar”.


Além de Bloss considerar esse discurso ineficaz, ele diz que também prejudica o processo de posvenção do suicídio, que é o trabalho realizado com os familiares e amigos enlutados por alguém que tirou a própria vida. “O luto por suicídio tem algumas peculiaridades que precisam ser cuidadas de forma específica. Uma das características é a pessoa apresentar uma ideação suicida”. Esse discurso moral pode acabar culpabilizando as pessoas enlutadas, na medida em que elas são levadas a acreditar que “não fizeram o suficiente”.


Outro alerta de Thiago Bloss é sobre a necessidade de se ficar atento ao cenário pós-pandemia no Brasil. Segundo ele, historicamente, é depois de uma experiência traumática, ou de tragédias, que os casos de suicídio aumentam. “As pessoas saem daquilo que chamamos da esfera da necessidade, de uma preocupação imediata com a sobrevivência, e começam a pensar na própria vida, no que perderam, começam a viver um luto sobre essa experiência traumática. É nessa experiência que é visto o aumento de suicídios”, explica o psicólogo.


Bloss acredita que, mesmo assim, o Setembro Amarelo ainda cumpre seu papel de divulgação de serviços e espaços de acolhimento das pessoas que pensam em suicídio e de quem perdeu alguém por esse motivo. Por isso, defende que volte a ser só um dia de conscientização, em 10 de setembro. E que, ao invés de “colocar o assunto debaixo do tapete durante todo ano”, a sociedade fale com frequência dele. “O Setembro Amarelo, tendencialmente, tem produzido o efeito inverso. Encontramos mais desinformação do que, de fato, informação”, conclui.


Várias causas - A psicóloga e pesquisadora Tânia Macedo concorda que o suicídio não pode ser tema de discussão somente no mês de setembro, mas durante todo o ano. “Para prevenir, a gente precisa discutir, informar e esclarecer toda a população”.


Ela também afirma que o suicídio não está ligado a uma causa única. Para ela, a desesperança dos mais jovens é algo que chama a atenção. "Há falta de perspectiva de vida, de emprego. Os jovens pensam, estudar para que, se depois é difícil encontrar um espaço decente no mercado de trabalho?”, diz a psicóloga.


Tânia diz que as condições sociais fazem com que a pessoa tenha de lidar com muito mais problemas e dificuldades, mas ressalva: “Não podemos ligar diretamente suicídio a uma questão social”. Ela defende a discussão “de forma esclarecedora, não sensacionalista”, como ocorreria no Setembro Amarelo.


Para a prevenção, diz a psicóloga, “é importante enfatizar sempre que existem alternativas, que a pessoa é capaz de lidar com as dificuldades enfrentadas no dia a dia”. Ela recomenda conhecer as redes de apoio, que incluem médicos, serviços públicos, serviços de psicologia oferecidos pelas universidades, e o Centro de Valorização da Vida (CVV). Em todos elas, diz Tânia Macedo, a pessoa pode recorrer em momentos de desespero, em que a tensão está muito grande e ela não vê alguém, à sua volta, que possa ajudar.


*Reportagem feita como parte do projeto Laboratório de Notícias A Tribuna - UniSantos sob supervisão do professor Eduardo Cavalcanti e do diretor de Conteúdo do Grupo Tribuna, Alexandre Lopes.


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