Portadores de transtorno ‘invisível’ enfrentam problemas com carteira de identificação em Santos

Usuários apontam obstáculos na implementação. Prefeitura vê dificuldades pontuais

Por: Mariana Garrido*  -  08/10/22  -  15:19
A estudante Maria Fernanda Ferraz mostra carteirinha com o telefone rasurado
A estudante Maria Fernanda Ferraz mostra carteirinha com o telefone rasurado   Foto: Maria Fernanda Ferraz/Arquivo pessoal

Os portadores de transtornos invisíveis enfrentam problemas com as carteirinhas de identificação em Santos. A estudante Maria Fernanda Valiante Lopes Ferraz, 22 anos, é autista e tem medo de precisar de ajuda, no caso de enfrentar uma crise, porque o número de emergência impresso no documento é o do próprio telefone.


“Quando eu vi, o primeiro pensamento que tive foi como saberiam para quem ligar caso eu desligasse e entrasse em crisemuito forte”, conta Maria Fernanda. “No dia seguinte, peguei uma caneta e anotei na carteirinha o número da minha mãe, que é de fato o de emergência, para ligar caso algo aconteça”.


O relato dela não é o único. A também estudante Yasmin, de 22 anos, é autista e portadora de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Ela conta que, devido à demora na chegada da carteirinha, teve de ligar para a Prefeitura. Durante a ligação, descobriu que um de seus laudos foi perdido no processo.


“Eles explicaram que a demora se deu pelo fato de não colocarem o TDAH na carteirinha”, explica a estudante. “Quando verificamos se a deficiência física também estava presente na carteirinha, descobrimos que não. Ou seja, um dos meus laudos não foi verificado”.


Yasmin relata ainda que teve de esperar quase três meses para receber a carteirinha. “Demos entrada no pedido para que eu pudesse voltar à faculdade com esse documento, mas isso não aconteceu”, lamenta.


O Decreto nº. 9.515, de 2 de dezembro de 2021, determina em seu artigo 8º. que, “recebido o requerimento e os documentos, o Poupatempo Santos autuará o expediente administrativo e o encaminhará à Secretaria Municipal de Governo, que, verificando a conformidade do pedido com o disposto neste decreto, determinará a emissão da Carteira de identificação da Pessoa com Deficiência, no prazo de 30 (trinta) dias”. Assim, a demora enfrentada por Yasmin não é prevista em lei.


A coordenadora de Políticas para Pessoa com Deficiência de Santos, Cristiane Zamari, justifica a demora pelos obstáculos na comunicação entre a Prefeitura e os solicitantes da carteirinha. “A gente tenta entrar em contato com a pessoa, porque tem algum documento pendente, e não consegue. Então, a carteirinha fica aguardando para ser emitida. Quando a pessoa lembra que mandou fazer a carteirinha e vai buscar, avisamos os dias em que tentamos o contato, já que anotamos, e informamos a pendência”, afirma.


A coordenadora também explica que as solicitações acabaram acumulando durante a pandemia da Covid-19, porque as gráficas tiveram de fechar, temporariamente. Já sobre o número de telefone de emergência, Cristiane diz que pode ser um erro de interpretação sobre a solicitação no formulário. "Às vezes, não fica claro o porquê de ter que deixar um número de telefone. Então, podemos reformular essa pergunta. Pode passar a ser: gostaria de deixar qual número para emergência? Temos de ser mais didáticos na hora de formular as perguntas”, admite.


Desinformação - Para além dos empecilhos com o recebimento da carteirinha com os dados corretos, as pessoas com deficiência enfrentam também a desinformação acerca desse direito garantido pelo município. "Com a carteirinha, posso provar que tenho direito à fila preferencial, por exemplo. Muita gente ignora, não olha, ou não sabe sobre o colar. Eu continuo tendo que explicar o que é”, comenta Yasmin.


Maria Fernanda enfrenta dificuldade semelhante. “Na prática, não funciona tanto. Primeiro, porque a escrita da carteirinha é muito pequena. Então, não é algo que se percebe facilmente. Na Cidade, não tem grande divulgação sobre esse benefício. Ninguém sabe o que, de fato, é a carteirinha”.


Cristiane Zamari afirma que o decreto é novo, e que a Prefeitura faz divulgação constante sobre o significado da carteirinha. “Temos feito vídeos explicativos e lançamos nas redes sociais da Prefeitura. Também incentivamos os nossos colaboradores a fazerem esse tipo de veiculação”, explica a coordenadora.


*Reportagem feita como parte do projeto Laboratório de Notícias A Tribuna - UniSantos sob supervisão do professor Eduardo Cavalcanti e do diretor de Conteúdo do Grupo Tribuna, Alexandre Lopes.


Logo A Tribuna
Newsletter